sexta-feira, 3 de abril de 2020

Humanos como nós


"Um líder de uma tribo protegida da Amazónia foi encontrado morto, o que constitui a quinta morte violenta nos últimos seis meses numa região assolada por conflitos entre madeireiros ilegais e as tribos da zona."

Leia a notícia inteira no jornal Público

Esta notícia triste fez-me lembrar um caso mais antigo, mas que na cabeça de algumas pessoas parece não estar ainda resolvido:

«Quando Espanha estava a colonizar o Novo Mundo no tempo de Filipe II (1527-1598) surgiu uma discordância amarga entre os conquistadores sedentos de lucro e os frades pios que, às ordens do rei, acompanhavam sempre as suas explorações. O objeto da discordância era o estatuto dos nativos locais, os povos indígenas das Américas. Eram eles - como os frades sustentavam - seres humanos com almas para salvar e vidas para serem integradas na comunidade da Igreja? Ou eram eles - como os conquistadores preferiam pensar - como alguns dos maiores hominídeos de África, mamíferos sofisticados disponíveis para trabalhar nas minas de ouro e prata, análogos aos camelos e bois que serviam de bestas de carga? Eram realmente seres humanos ou eram simplesmente de encarar como uma espécie de símios algo mais desenvolvidos?
Quando os frades que resistiam à exploração dos povos indígenas insistiram em defender a sua posição, Filipe II reenviou a questão para alguns dos melhores especialistas disponíveis daquele tempo - os melhores dos melhores entre os teólogos e estudiosos de Espanha. Reuniram-se em 1550-1551 para resolver a questão num debate escolástico na Universidade de Valladolid (...).
O frade dominicano Bartolomeu de las Casas (...) defendeu a posição dos frades com tal eloquência e cogência que os sábios reunidos, para seu crédito eterno, puseram-se do lado da humanidade. (Não que isto tenha feito assim tanta diferença para os homens sem escrúpulos que exerciam cargos de chefia nas Américas.)»

Nicholas Rescher, Uma viagem pela filosofia em 101 episódios, Gradiva, Lisboa, 2018, pp. 129-130.

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