quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Para ler ou oferecer no Natal: "O cavaleiro inexistente", de Italo Calvino



Ao passar revista aos cavaleiros Carlos Magno deteve-se diante de um cavaleiro de armadura branca e perguntou-lhe quem era.
«- Eu sou (…) Agilulfo Emo Bertrandino das Guildivernas e outras, de Carpentras e Sura, cavaleiro de Selímpia Citerior e Fez!
- Aaah… - fez Carlos Magno, e avançou o lábio inferior dando um pequeno assobio como que a dizer: “Se tivesse que me recordar do nome de todos, estava bem arranjado!” Mas de repente franziu as sobrancelhas. – Porque não levantaste a viseira e não mostraste o rosto? (…)
A voz saiu nítida da babeira. – Porque eu não existo, Sire.
- Ora esta! – exclamou o imperador. Temos agora nas nossas fileiras um cavaleiro que não existe. Deixa ver.
Agilulfo ainda pareceu hesitar. Depois, com a mão firme, mas lenta, levantou a viseira. O elmo estava vazio. Na armadura branca de irisada cimeira não estava ninguém.
- Olha, olha! Vê-se cada uma! - disse Carlos Magno. – E como é que fazeis para prestar serviço, se não existis?
- Com a força de vontade – disse Agilulfo – e a fé na nossa santa causa!
- Sim senhor, bem dito. É assim que se cumpre o dever. Bem, para um homem que não existe, tendes bom aspecto.
Agilulfo era o último da fila. O imperador tinha passado revista a todos; virou o cavalo e afastou-se para a tenda real. Estava velho e procurava afastar da mente as questões complicadas.»
Italo Calvino, O cavaleiro inexistente, Teorema, 1986, pp. 10-11.

(Como é óbvio, a disjunção contida no título do post é inclusiva e não exclusiva.)

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