sábado, 16 de maio de 2020

O argumento teleológico de Tomás de Aquino e uma objeção


«Na sua obra mais importante e mais conhecida, Tomás conclui teleologicamente que Deus existe:

Vemos que as coisas sem inteligência, como os corpos naturais, atuam tendo em vista uma finalidade, e isto é evidente a partir do facto de atuarem sempre, ou quase sempre, da mesma maneira, de modo a obter o melhor resultado. Assim, é óbvio que não é fortuitamente, mas antes com desígnio, que atingem as suas finalidades. Ora, o que não tem inteligência não pode direcionar-se a uma finalidade, a menos que seja direcionada por um ser dotado de conhecimento e inteligência, como a flecha é disparada para o alvo pelo arqueiro. Logo, existe um ser inteligente por meio do qual todas as coisas naturais são direcionadas para as suas finalidades; e é a este ser que chamamos Deus. 

(Tomás de Aquino, Suma Teológica, Ia. Q2. A3.)

O raciocínio de Tomás parte da observação de finalidades na natureza, em entidades que não são dotadas de inteligência. As raízes de uma árvore cumprem a finalidade de captar a água de que a árvore precisa, mas, tal como a própria árvore, não têm qualquer inteligência. Uma vez que nenhuma entidade sem inteligência atua com vista a uma finalidade, alguma outra entidade inteligente dirige as raízes da árvore. Essa entidade é Deus. Daí a analogia com a flecha: sem uma inteligência que a direcione para a sua finalidade, que é atingir o alvo, a seta não fará tal coisa, por si mesma, precisamente porque não tem qualquer inteligência.»

Desidério Murcho, A existência de Deus – O essencial, Plátano, 2020, pp. 17-18

(Trata-se de um Ebook, ainda sem edição em papel: 

Há várias objeções ao argumento teleológico. Uma delas alega que, mesmo que admitamos a necessidade de o mundo ter um criador inteligente, isso não implica a sua identificação com o Deus teísta (omnipotente, sumamente bom, etc.) nem sequer monoteísta – pois pode suceder, por exemplo, que tenha vários criadores imperfeitos.

David Hume formulou essa objeção do seguinte modo (não cito diretamente o livro de Hume - Diálogos sobre a Religião Natural -, mas um artigo da revista Crítica que inclui, além de excertos do filósofo, breves explicações).

«Em vez de ser a obra de um único Deus, o mundo pode ser a obra de muitos deuses, todos mais finitos e imperfeitos do que a sua própria obra.

“Mas, mesmo que este mundo fosse uma produção tão perfeita, continuaria a ser duvidoso que se pudesse corretamente atribuir ao artífice todas as perfeições da obra. Se examinarmos um navio, que ideia elevada não formaremos do engenho do carpinteiro que construiu uma máquina tão complicada, útil e bela? E que surpresa não deveremos sentir ao verificarmos que se trata de um estúpido mecânico que imitou outros e copiou uma arte que, durante uma longa sucessão de épocas, após múltiplas tentativas, enganos, correcções, deliberações e controvérsias, foi gradualmente melhorada? Muitos mundos podem ter sido atamancados e destruídos ao longo de uma eternidade, antes que este sistema tenha surgido; muito trabalho perdido; muitas tentativas infrutíferas feitas; e um lento, mas gradual aperfeiçoamento na arte de fazer mundos ter sido levado a cabo durante épocas sem fim”. (Diálogos, Parte V). (…)

Tem de se admitir todas as hipóteses imagináveis para explicar o mundo, desde uma divindade infantil a um deus senil passando por uma divindade inferior e subalterna.

“Por aquilo que se sabe, quando comparado com um padrão superior, este mundo é muito defeituoso e imperfeito; e foi apenas a primeira e grosseira tentativa de uma Deidade infantil, que a seguir o abandonou, envergonhada da sua defeituosa realização; é meramente a obra de uma Deidade inferior e subalterna e constitui o objecto de troça dos seus superiores; é a produção de velhice e de senilidade de uma Deidade aposentada e, desde a sua morte, continua, à aventura, devido ao primeiro impulso e à força activa que dela recebeu” (Diálogos, Parte V)

Álvaro Nunes, “Será que Deus existe?”, Crítica - https://criticanarede.com/anunesseraquedeusexiste.html

(Infelizmente desconheço o autor e a origem da imagem.)

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