William L. Rowe, no livro “Introdução à Filosofia da Religião”, ao discutir
o problema do mal apresenta de exemplos de males alegadamente desnecessários e injustificados,
nomeadamente o caso de um corço que durante cinco dias sofre dores terríveis provocadas
por queimaduras até finalmente morrer num lugar isolado.
É de salientar que também apresenta e discute diversas maneiras de rejeitar
o problema do mal.
«A forma indiciária do problema do mal baseia‐se em exemplos de sofrimento intenso, em seres
humanos ou animais, que aparentemente não servem qualquer propósito benéfico. Desenvolvemos
aqui o argumento centrando‐nos num exemplo de sofrimento animal: um corço que fica
horrivelmente queimado durante um incêndio provocado pela descarga de um raio,
sofrendo terrivelmente durante cinco dias antes de morrer. Ao contrário dos seres
humanos, não se atribui livre‐arbítrio aos corços, pelo que não podemos imputar o terrível sofrimento do corço a um mau uso do
livre‐arbítrio. Por que permitiria então Deus que isto
acontecesse quando, se existe, podia tê‐lo impedido com tanta facilidade? Admite‐se em geral que somos simplesmente incapazes
de imaginar um bem superior cuja realização dependa, sob qualquer perspetiva
razoável, de Deus permitir que aquele corço sofra terrivelmente. Tão‐pouco parece razoável supor que há um mal imenso que Deus seria
incapaz de impedir se não permitisse que o corço sofresse durante cinco dias.
Suponha‐se que por «mal sem sentido» entendemos um mal que Deus
(se existe) poderia ter impedido sem com isso perder um bem superior ou sem ter
de permitir um mal igualmente mau ou pior. Será
que o sofrimento do corço é um mal sem sentido? Seguramente que o terrível
sofrimento do animal durante esses cinco dias não parece do nosso ponto de vista fazer qualquer sentido. Quanto a isto, o consenso é, ao que parece,
quase universal. Pois dada a omnisciência e o poder absoluto de Deus, ser‐lhe‐ia extremamente fácil ter impedido o incêndio ou ter impedido que o corço fosse apanhado pelas chamas. Além
disso, como vimos, é extraordinariamente difícil imaginar um bem superior cuja
realização dependa, sob qualquer perspetiva razoável, de Deus permitir que
aquele corço sofra terrivelmente. E é igualmente difícil imaginar um mal
equivalente, ou até pior, que Deus se visse forçado a permitir caso impedisse o
sofrimento do corço. Parece, portanto, perfeitamente razoável pensar que o
sofrimento do corço é um mal sem sentido, um mal que Deus (se existe) podia impedir
sem com isso perder um bem superior ou ter de permitir um mal equivalente ou
pior.
À luz de tais exemplos de males horríveis, pode‐se formular da seguinte maneira o argumento
indiciário:
1. Provavelmente, há males sem sentido (por exemplo, o sofrimento
do corço).
2. Se deus existe, não há males sem sentido.
Logo,
3.
Provavelmente, Deus não existe.»
William
L. Rowe, Introdução à Filosofia da Religião, Verbo, 2011, pp. 123-124.
(Tradução
de Vítor Guerreiro e revisão científica de Desidério Murcho.)
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