«Há algumas coisas que o dinheiro não pode comprar, mas, hoje
em dia, são cada vez menos. Atualmente, quase tudo está à venda. Eis alguns
exemplos:
Uma cela de prisão mais cómoda: 82 dólares por noite. Em
Santa Ana, na Califórnia, e noutras cidades, os delinquentes não violentos
podem pagar por melhores instalações: uma cela limpa e sossegada, afastada das
ocupadas pelos reclusos não pagantes. (…)
Barrigas de aluguer indianas: 6250 dólares. Os casais ocidentais
que procuram barrigas de aluguer recorrem cada vez mais a esses serviços na Índia,
onde o procedimento é legal e o preço é um terço inferior ao praticado nos
Estados Unidos. (…)
O direito de abater um rinoceronte-negro em vias de extinção:
150 mil dólares. A África do Sul começou a permitir que os proprietários de
herdades vendam aos caçadores o direito de matarem um número limitado de rinocerontes,
por forma a incentivar os proprietários a criarem e a protegerem essa espécie
em vias de extinção. (…)
O direito de emitir uma tonelada métrica de dióxido de
carbono para a atmosfera: 13 euros. A União Europeia criou um mercado de
emissões de dióxido de carbono que permite às empresas comprarem e venderem o
direito de poluírem o ar.
A admissão do seu filho numa universidade prestigiada:
montante desconhecido. Embora o preço não seja do domínio público,
representantes de algumas das mais prestigiadas universidades relataram ao The Wall
Street Journal que aceitam alunos que sendo tudo menos brilhantes e cujos abastados
pais estejam dispostos a despender quantias substanciais de dinheiro. (…)
Hoje, a lógica de compra e venda já não se aplica apenas a
bens materiais, mas domina cada vez mais todos os aspetos da vida. Está na
altura de nos perguntarmos se queremos viver desta forma. (…)
Para lidar com esta situação, não nos basta protestar contra
a ganância; precisamos de repensar o papel que os mercados devem desempenhar na
nossa sociedade. Necessitamos de um debate público sobre o que significa manter
os mercados no seu devido lugar. E, para que isso aconteça, precisamos de refletir
sobre os limites morais dos mercados. Precisamos de nos perguntar se há algumas
coisas que o dinheiro não deve comprar. (…)
[Nos últimos anos] passámos de uma situação em que tínhamos
uma economia de mercado para uma situação em que somos uma sociedade de mercado.
(…)
O grande debate ausente da política contemporânea tem que ver
com o papel e o alcance dos mercados. Queremos uma economia de mercado ou uma
sociedade de mercado? Que papel devem ter os mercados na vida pública e nas relações
pessoais? Como podemos decidir que bens devem ser comprados e vendidos e quais
devem ser regidos por valores não mercantis? Que domínios da vida o imperativo
do dinheiro não deve reger?»
Michael J. Sandel, O
que o dinheiro não pode comprar, Editorial Presença, Lisboa, 2015, pp. 13, 14,
16, 17 e 20.