Este é um post convidado da minha colega Carla Faustino, professora de História.
Trata-se da análise histórica de uma pintura de Ambrogio Lorenzetti (séc. XIV), intitulada "Alegoria do Bom Governo". A escolha deste quadro deve-se ao facto de Carla Faustino considerar que ele se relaciona com a conjuntura em que vivemos e por ela pensar que "precisamos de governantes com virtudes!"
O esquema seguido na análise da obra pode ser consultado na nota (*) que se encontra no final deste post.
Alegoria do Bom Governo (c. 1337-1340).
1. Quem produziu a obra? Quem é o Emissor?
Ambrogio Lorenzetti (c. 1290 – 1348?), pintor de profissão, nascido na cidade de Siena (atual Itália).
2. Para quem? Quem é o Recetor?
Para a Junta dos Nove Governantes da cidade de Siena. Tratava-se de um grupo de banqueiros e comerciantes que tomou o poder em 1287 (ficou conhecida por “revolução comunal”) e que expulsou da cidade grande parte da nobreza. Após a conquista do poder, esta junta lançou um ambicioso programa de modernização da cidade, no qual se destacava a construção de um grande palácio, sede do novo poder comunal. Esta pintura encomendada a Lorenzetti foi pintada numa das paredes do novo palácio.
3. Análise formal (CANAL)
Suporte: parede (pintura mural)
Técnicas específicas de aplicação: afresco
Consistia na aplicação de pigmentos de cor diluídos em água diretamente na parede enquanto a argamassa ainda está húmida. A imagem torna-se então parte integral da construção arquitetónica onde foi pintada.
4. Análise funcional (CÓDIGO)
Identificação do tema: profano (Alegoria do Bom Governo).
Descrição da pintura (abreviada).
Lorenzetti coloca o rei virtuoso à direita do observador e representa-o como um velho barbudo. Vestido de preto-e-branco (as cores de Siena), ele simboliza tanto a cidade de Siena como o bem-estar público. O monarca apresenta um escudo, que simboliza o universo e a própria fé cristã. O Bom Governo ainda segura com a sua mão direita um cetro da justiça.
Acima do Bom Governo, três anjos coroados. Um anjo avermelhado representa a Caritas (Caridade), mas, segundo alguns especialistas, esta figura simboliza também o Amor à Pátria. Este anjo vermelho está rodeado por outros dois. Um, com feições masculinas e com uma cruz, simboliza a Fé e o outro, feminino, com longas tranças douradas é a Esperança.
Sentadas ao lado do Bom Governo estão as seis virtudes, representadas como rainhas coroadas. Elas apoiam o rei.
À sua esquerda, a Magnanimidade, a Temperança (com uma ampulheta) e a Justiça (com uma espada numa das mãos, uma coroa e uma cabeça cortada no colo).
À sua direita, de branco, a Paz, segura um ramo de oliveira, descansando, tranquilamente ociosa e recostada numa almofada, com outra aos seus pés. A seu lado encontra-se a Fortaleza, com um cetro na mão e um grande escudo protetor na outra, e a Prudência, mais velha, com rugas na face, aponta para a coroa que tem no colo. A Prudência guarda o trono. Todas as virtudes estão protegidas por cavaleiros armados com lanças.
Função: pedagógica e de propaganda
Na Idade Média a finalidade pedagógica era a primeira função da imagem. De facto, através do material artístico, o homem medieval entrava em contato com representações literárias acessíveis somente à minoria letrada. O fiel entrava em comunicação com o texto, invisível para ele (DUBY: 1997, 108).
O afresco de Lorenzetti personificava, tanto para os governantes de Siena como para o público que frequentava o Palácio Comunal, as virtudes (necessárias ao bom governo) e os vícios (que estes deveriam evitar) representados noutra pintura de Lorenzetti da mesma sala, designada de “Alegoria do Mau Governo”. Todos aprendiam pelas imagens.
Além de cumprir essa função, esta pintura enaltecia o poder sienense, representado nesta obra por 24 conselheiros, chefes das casas notáveis da cidade, que seguram uma longa corda que os une e que simboliza a amizade. Segundo o historiador George Duby, esta pintura realçava esse poder, dava-lhe visibilidade, justificava-o (DUBY: 1997, 16)
Qual a intencionalidade do pintor? (o que o autor pretendia com a obra).
Lorenzetti quer mostrar aos governantes o bom caminho? Criticá-los? Ele teria liberdade para isso? O historiador Georges Duby tenta encontrar uma resposta para esta questão:
“Alguns documentos esclarecem as relações entre quem faz a encomenda e quem a executa. São contratos lavrados em presença de tabelião. O artista compromete-se a respeitar fielmente as cláusulas que regulam não só os seus honorários, a qualidade dos materiais que irá utilizar, mas também o pormenor, a maneira de desenvolver o tema.” (DUBY: 1998, 106).
Por isso, esta é a mão do artista, guiada (e paga) por homens de Estado, conclui Duby. No entanto, há que ter em conta que a consciência individual dos artistas se afirma neste período e que por isso recusam ser considerados como meros artífices, executores, e exigem ser reconhecidos como parte determinante na criação da obra de arte.
Para finalizar…
fica aqui a “Alegoria do Mau Governo”, também pintada por Lorenzetti, para ser analisada … e desfrutada.
Bibliografia: - Costa, Ricardo da (2003), Um Espelho de Príncipes artístico e profano: a representação das virtudes do Bom Governo e os vícios do Mau Governo nos afrescos de Ambrogio Lorenzetti (c. 1290-1348?)in Utopía y Praxis Latinoamericana - Revista Internacional de Filosofìa Iberoamericana y Teoría Social, Maracaibo (Venezuela): Universidad del Zulia, vol. 8, n. 23, octubre de 2003, p. 55-71
- Janson, H.W., (1989) História da Arte, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian.
(*) NOTA: A análise da pintura de Ambrogio Lorenzetti, a "Alegoria do Bom Governo", foi realizada de acordo com o esquema seguinte.