Um jornal da Dinamarca publicou, em 2005, uma caricatura que representa o profeta Maomé usando um turbante com uma bomba. Milhares de muçulmanos em todo o mundo protestaram nas ruas, nalguns casos violentamente, pois consideraram que o cartoon colocava em causa a honra do profeta. O autor da caricatura, Kurt Westergaard, passou a viver com protecção policial e foi, recentemente (a 01-01-2010 - para saber mais veja aqui), alvo de uma tentativa de homicídio por parte de um fundamentalista islâmico.
O jornal e o cartoonista em causa fizeram um uso legítimo da liberdade de expressão ou abusaram dela?
Os meus alunos, André Estêvão e Joana Teixeira do 11ºC, expressaram em relação a esse problema duas opiniões que vale a pena ler.
Ei-las.
O cartoon retrata uma realidade com que se vive hoje em dia: membros de grupos terroristas, como a Al Qaeda por exemplo, explodem consigo próprios em nome da religião e do fanatismo. Depois de anos de atentados frequentes e da guerra no Iraque, Kurt Westergaard caricaturou Maomé, profeta do Islão, representando-o como um bombista suicida.
Stuart Mill defendeu, com argumentos racionais, a liberdade de expressão mas com restrições. Esta não deve, por exemplo, ser usada para incentivar à violência ou para difamar e invadir a vida privada. Assim, considero que o jornal e o cartoonista não fizeram um bom uso da liberdade de expressão, pois ao publicarem esta caricatura de Maomé incentivaram ainda mais à violência os fanáticos e difamaram os crentes não fanáticos. Todos se sentiram insultados por ver o seu profeta retratado deste modo. Milhares de pessoas manifestaram-se, algumas com violência, recusando-se a analisar de forma racional a situação em causa ou a questionar as suas convicções religiosas. Pelo contrário, este cartoon reforçou as crenças de algumas delas e deu-lhes um objectivo novo: vingarem-se em nome de Maomé por este ter sido insultado por infiéis.
Ora, sucede que neste cartoon foram difamados os crentes não fanáticos. Estes crentes mais tolerantes deviam pôr o cartoon em causa, mas explicando porque motivo não se devem atribuir, a todos os muçulmanos, as características daqueles que são radicais e matam em nome do Corão. Na verdade, podemos apresentar inúmeros contra-exemplos que provam a falsidade desta generalização: há muçulmanos que respeitam as outras religiões, os direitos humanos, os direitos das mulheres e que lutam pacificamente pelo fim do terrorismo.
Concluindo, defendo que Kurt Westergaard e o jornal não fizeram um bom uso da liberdade de expressão. Do meu ponto de vista, seria desejável que houvesse mais reflexão sobre este assunto - por parte dos muçulmanos e das pessoas em geral - e a sua discussão fosse realizada de forma pacífica. Contudo, como sabemos, muitas vezes é difícil questionar as crenças religiosas (desta ou de outra religião) e adaptá-las aos tempos modernos. O problema não está na religião, mas sim nalgumas pessoas que a praticam, pois também existem e existiram fanáticos de outras religiões além do Islão.
André Estêvão, 11º C
A liberdade de expressão significa que temos o direito de dar a nossa opinião relativamente a todos os assuntos e em qualquer lugar. Quando se dá um embate entre o direito à liberdade de expressão e outros direitos que estão legislados o estado deve intervir, impondo limites. Segundo Stuart Mill, a possibilidade de intervenção do estado justifica-se a partir do princípio do dano e só deve ocorrer quando as acções de certas pessoas causam prejuízo a outras. As excepções ao direito da liberdade de expressão são, portanto, o incitamento à violência e a difamação. O que se torna difícil, na aplicação da teoria de Stuart Mill a um caso em particular, é saber se de facto o dano é causado ou não.
Posto isto, as duas questões que se podem colocar relativamente a este cartoon são: Terá sido um abuso da liberdade de expressão a publicação do cartoon por parte do cartoonista dinamarquês? Ou será que a religião islâmica é demasiado extremista e pouco compreensiva relativamente a este género de actos?
Na minha opinião, o jornalista fez um uso legítimo da liberdade de expressão que lhe é concedida no país onde vive, a Dinamarca. Julgo, portanto, que o problema reside nalguns dos princípios da religião muçulmana - tal como é entendida pelos fundamentalistas e muitos outros muçulmanos - onde não existe o direito à liberdade de expressão. Segundo esta religião não deve ser permitida a publicação de imagens dos profetas, mesmo que estas sejam positivas. Daí o cartoon ter sido visto com maus olhos por parte da generalidade dos muçulmanos, mesmo os não radicais.
Todavia, nos jornais muçulmanos é permitida a publicação de cartoons que ridicularizam a religião cristã e não é por isso que os cristãos se revoltam e tentam matar o cartoonista que os desenhou. Acho, portanto, que alguns muçulmanos (foram milhares os que se manifestaram em todo o mundo pelas ruas) são pouco ou nada tolerantes e aí é que reside o problema.
Devemos nós tolerar a intolerância em nome do respeito por uma cultura e uma religião diferente da nossa?
Penso que não. Muitos dos praticantes desta religião deveriam é tirar partido de situações como esta para perceber que liberdade de expressão é um direito de todas as pessoas. Não faz sentido alguns muçulmanos tentarem impor, àqueles que não partilham a sua religião, restrições que são inaceitáveis numa sociedade democrática, como por exemplo: a possibilidade de um jornal e uma pessoa expressarem livremente as suas ideias.
Tal como Stuart Mill, julgo ser através do confronto de ideias opostas que as pessoas podem aprender, corrigindo os seus erros e alterando ou melhorando algumas das ideias que possuem.
Joana Teixeira, 11ºC