Há «valores que têm de ser mais ou menos universais. Imagine-se o que seria uma sociedade que não valorizasse a verdade. Quando uma pessoa falasse com outra, não poderia partir-se do princípio de que estaria a dizer a verdade, pois poderia facilmente estar a mentir. Nessa sociedade não haveria qualquer motivo para dar atenção ao que os outros dizem. (Pergunto que horas são e alguém responde “quatro horas”. Mas não posso presumir que a pessoa está a dizer a verdade; poderia facilmente ter dito a primeira coisa que lhe tivesse passado pela cabeça. Não tenho, pois, qualquer razão para dar atenção à sua resposta. De facto, não faz qualquer sentido ter-lhe sequer perguntado.) A comunicação seria então extremamente difícil, senão mesmo impossível. E uma vez que as sociedades complexas não podem existir sem comunicação entre os seus membros, a vida em sociedade tornar-se-ia impossível. Daqui se conclui que em qualquer sociedade complexa tem de haver uma presunção em favor da boa-fé. Pode haver exceções a esta regra: pode haver situações nas quais se considere permissível mentir. No entanto, estas serão exceções a uma regra que está em vigor na sociedade. (…)
Há aqui uma conclusão teórica geral, a saber, há algumas regras morais que todas sociedades têm em comum, pois essas regras são necessárias para a sociedade poder existir. As regras contra a mentira e o homicídio são dois exemplos disso, pois, de facto, encontramos estas regras instituídas em todas as culturas viáveis. As culturas podem diferir relativamente ao que encaram como exceções legítimas às regras, mas esta discordância existe contra um acordo de fundo nas questões fundamentais. Logo, é um erro sobrestimar as diferenças entre culturas. Nem todas as regras morais podem variar de sociedade para sociedade.»
James Rachels, Elementos de Filosofia Moral, Gradiva, Lisboa, 2004, pp. 46-47.
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