domingo, 30 de maio de 2010

O aborto em debate: a opinião dos alunos (1)

Pedi aos meus alunos do 10º (turmas A e C) e 11º (turma B), que lessem alguns artigos filosóficos com argumentos a favor e contra o aborto (disponíveis aqui) e elaborassem um pequeno ensaio defendendo o seu ponto de vista.

O melhor ensaio contra o aborto foi escrito pela aluna Ana Marta Nunes do 10º C, que defende que este é moralmente incorrecto, a não ser em algumas circunstâncias excepcionais.

Ei-lo:

No problema ético do aborto, ou interrupção voluntária da gravidez, discute-se  a moralidade deste acto, a qual depende em grande medida do debate acerca do direito à vida do feto. É diferente do debate político acerca da mesma questão. Não se coloca a questão de o aborto dever ser legalizado ou não e em que termos isto deve acontecer mas sim se este é moralmente correcto ou incorrecto. Pessoalmente, acredito na imoralidade do aborto. Concordo com o facto de que, em certas circunstâncias que passarei a explicar, este possa ser moralmente admissível e como tal, deva ser legalizado mas, na maioria dos casos, considero-o como sendo incorrecto. Irei então apresentar alguns argumentos que justificam o meu ponto de vista.

Um deles compara o aborto ao homicídio. Não há dúvida de que abortar consiste em matar o feto, impedir que este nasça. Sendo que consideramos moralmente errado e mesmo repugnante matar uma pessoa adulta, porque haveremos de considerar correcto matar o embrião ou feto? Isto prende-se com a questão da humanidade do feto. Será que este é efectivamente um ser humano? Mesmo que consideremos o critério da consciência e racionalidade, ou seja, mesmo que afirmemos que estas são características necessárias para sermos “pessoas”, o facto de excluirmos o feto desta categoria implicaria a exclusão dos recém-nascidos, pois estes também não são capazes de qualquer tipo de pensamento racional e não têm, em grande parte, consciência da sua vida e do facto de que podem vir a ter um futuro, etc... Seguindo este raciocínio, que me parece bastante válido, para admitirmos o aborto como moralmente correcto, temos de fazer o mesmo com o infanticídio. Quantos de nós o acham permissível? Não será exactamente o mesmo que o aborto? Mesmo que admitamos que um feto não tenha consciência do que o rodeia (pressuposto com o qual não concordo e contra o qual existem inúmeros estudos científicos) nem pensamento racional, temos de admitir o mesmo em relação aos bebés recém-nascidos, assim como em relação aos portadores de certas deficiências mentais, o que me leva a concluir que o aborto é moralmente errado.

O outro argumento que gostaria de apresentar foi primeiramente formulado por Don Marquis. Este, partindo do mesmo pressuposto que já referi acima e que a maioria dos indivíduos aceita como verdadeiro – o direito dos seres humanos à vida, questiona o porquê de considerarmos esse direito. Segundo ele, um ser humano tem direito à vida porque valoriza o futuro que poderá ter. Matar um homem adulto é moralmente errado porque o priva das experiências, das sensações, dos potenciais sucessos do seu futuro, os quais ele viria a valorizar. Analogamente, um feto possui também o direito à vida e como tal o aborto é moralmente incorrecto. O feto poderá também, assim como um ser humano adulto, ter um futuro que, embora não valorize no momento, virá muito provavelmente a valorizar mais tarde e matá-lo será privá-lo desse futuro sendo, nestes termos, tão mau matar um feto como um indivíduo adulto.

Mas por alguma razão esta é uma questão polémica. Se os argumentos contra o aborto fossem únicos e inquestionáveis, nunca existiria um debate desta questão ética. Um dos argumentos a favor da moralidade do aborto é o “argumento do violinista”. Este consiste numa experiência mental que nos pede para imaginar uma situação em somos raptados por uma sociedade de apreciadores de música que liga o nosso sistema circulatório ao de um violinista famoso, que tinha uma doença renal fatal e cujo tipo de sangue era apenas com o nosso. Teríamos então de tomar a decisão de ficar ligados ao violinista durante 9 meses, após os quais ele ficaria curado, ou de nos desligarmos dele, matando-o. O objectivo é reflectir se nós seríamos moralmente obrigados a aceitar a situação quando esta aconteceu contra a nossa vontade ou desligarmo-nos do violinista que nada tinha a ver connosco. Este argumento põe qualquer pessoa numa situação difícil, pois seria quase inimaginável desperdiçar 9 meses da nossa vida para salvar a vida de um estranho que estava ligado a nós, coisa que nem sequer tínhamos pedido. Há, no entanto, uma grande inconsistência na comparação deste argumento com uma gravidez. Estas relevantes diferenças foram já referidas na frase anterior como sendo os factores que mais influenciariam a dizer que não nos sentiríamos a obrigação moral de permanecer ligados ao violinista – o facto de ele ser, para nós, um total estranho, e o facto de a ligação com ele ser totalmente involuntária. Numa gravidez não é isso que sucede (excepto em raros casos que referirei mais à frente). Desde muito cedo se cria um vínculo mãe-feto. Este não é apenas biológico, como descrito na experiência mental do violinista mas também emocional. Um feto que foi concebido no corpo de alguém não é, para essa pessoa, um completo estranho.

Além disso, o que talvez seja mais importante, é que uma gravidez não é algo totalmente involuntário. Nunca existirá uma situação em que alguém acorda e descobre que está grávida sem nunca ter feito nada que pudesse levar a esse estado de coisas. Hoje em dia, somos introduzidos aos métodos contraceptivos bastante cedo. Existe uma grande preocupação nos países desenvolvidos em informar os jovens acerca de como prevenir uma gravidez indesejada. Com tanto informação e acesso grátis a métodos contraceptivos eficazes, como podemos afirmar que não temos responsabilidade pelo que aconteceu? Foram acções deliberadas que conduzem a uma gravidez. Se as pessoas fazem sexo, é porque querem. Se não utilizam métodos contraceptivos é, na maioria das vezes, porque não querem. Já ouvi inúmeras vezes que “o preservativo não presta porque tira o prazer todo”. As pessoas podem até não pensar nas consequências das suas acções e frases como a que acabei de citar são sinal de uma certa ignorância mas elas são, em última instância, responsáveis pelas suas acções e, como tal, devem aceitar as consequências. Diria mesmo que estão moralmente obrigadas a aceitar as consequências, principalmente quando isso põe em causa a vida do feto, o futuro de um potencial ser humano. Mas existem casos em que os métodos contraceptivos não cumprem o seu objectivo de evitar uma gravidez, certo? Sim, mas temos de ter em conta que o seu grau de eficácia é bastante grande: o preservativo, por exemplo, tem um grau de eficácia de cerca de 97%. Pergunto-me que percentagem de abortos são realizados devido à ineficácia dos métodos contraceptivos. De certeza não é muito elevada. Quem for por aí estará apenas a defender que uma pequena parte dos abortos são moralmente admissíveis, posição com a qual eu concordo. Se uma pessoa tiver feito tudo ao seu alcance para não engravidar ou se a gravidez for resultante de um acto sexual involuntário como uma violação, não existe obrigação moral de aceitar as consequências e, como tal, o aborto pode, nessas excepções, ser moralmente admissível. O mesmo acontece com a situação em que a vida da mãe se encontra em risco. Nesta caso utilizarei a perspectiva utilitarista para defender a minha posição. Se a gravidez não for interrompida, o mais provável será a morte tanto da mãe como do feto. Se se recorrer ao aborto, salvar-se-á a vida da mãe, em detrimento da do feto, o que causará menos infelicidade global do que a primeira situação referida. Como tal, essa é a última das três excepções em que considero o aborto moralmente permissível.

Para concluir, gostaria apenas de resumir a minha posição, que pode não ter ficado clara no início do comentário: considero, pelas razões acima referidas, que o aborto é moralmente incorrecto salvo em casos em que a gravidez seja completamente involuntária, ou seja, quando a mulher utilizou os métodos contraceptivos disponíveis e estes falharam sem que esta falha tenha sido culpa dela ou quando foi vítima de violação, ou em casos em que a vida da mulher esteja em risco caso não se interrompa a gravidez.

Ana Marta Nunes, 10º C

 

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Abaixo-assinado contra o Acordo Ortográfico

ILC: Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o Acordo Ortográfico. A ideia é reunir trinta e cinco mil assinaturas para tentar travar o Acordo Ortográfico. Se é contra o Acordo assine aqui e depois divulgue a iniciativa.

No vídeo pode ver-se a professora Maria do Carmo Vieira explicando a iniciativa e criticando o Acordo. Vale a pena dar atenção aos seus argumentos.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Falácias e palhaçadas

palhaços

Pretender que uma teoria económica é falsa apenas porque o seu autor está envolvido num caso de corrupção é falacioso. Trata-se da falácia ad hominem. Esta consiste num ataque pessoal injustificado. Em vez de discutir as próprias ideias, tenta-se refutá-las atacando características pessoais do seu autor que são irrelevantes para o caso. Regressando ao exemplo, não é plausível que a honestidade ou desonestidade de um economista tenha relação directa com a verdade ou falsidade das suas teorias.

Para haver falácia os aspectos pessoais visados têm de ser irrelevantes. Caso sejam relevantes o argumento é válido. Duvidar do testemunho de um indivíduo alegando que é alcoólico e passa o dia embriagado pode não ser falacioso, pois sabe-se que o álcool perturba a percepção e por isso o seu alcoolismo poderá ser uma característica pessoal relevante para o caso.

Quando apreciamos as afirmações e as acções dos políticos, a consideração de algumas características pessoais é frequentemente relevante e não falaciosa. Por exemplo: a eventual homossexualidade de um ministro é irrelevante para a avaliação das suas decisões financeiras, mas torna-se relevante na avaliação da sua actuação política caso ele defenda publicamente a discriminação dos homossexuais. A natureza da actividade política, nomeadamente o enorme impacto que tem na vida dos cidadãos, faz com que seja relevante estes conhecerem eventuais incoerências entre o discurso e a prática dos detentores de cargos políticos.

Vem isto a propósito do facto de alguns governantes (em Portugal e noutros países, como por exemplo a Grécia) andarem actualmente a exigir sacrifícios aos cidadãos: aumentos de impostos, cortes salariais, etc. Pedem também às pessoas para aceitar esses sacrifícios sem protestar, apelando ao seu patriotismo e sentido de cidadania. Creio que, ao avaliar esse pedido, é relevante ter em conta, não apenas as dificuldades económicas actuais, mas também a prática seguida por esses governantes nos últimos anos no que diz respeito à utilização dos dinheiros do Estado, pois há indícios e até provas de que essa gestão foi pouco rigorosa e pouco competente - e, nalguns casos, fraudulenta. Confrontar as actuais afirmações desses governantes com aquilo que têm feito não constitui, portanto, uma falácia ad hominem.

Quando faço essa confrontação lembro-me logo da história dos palhaços que, poucos minutos depois do seu número, regressaram ao palco gritando: “Fogo! Fogo! Há um incêndio! Fujam!” Os espectadores, julgando tratar-se de mais uma palhaçada, riram em vez de fugir. Resultado: no incêndio morreram diversas pessoas e várias outras ficaram feridas.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Ausência

Ainda a diversidade cultural. A sugestão musical da  aluna Jocemira Ribeiro, neste trabalho, fez-me lembrar uma canção fabulosa que ouvi, já alguns anos, no filme  “Underground”, realizado por Emir Kusturica. A canção: “Ausência” é interpretada por Cesária Évora.

Fica a sugestão.

Invictus: um filme sobre política e ética

Guião de análise do filme Invictus

Invictus: o filme e o poema

Este é o poema que dá nome ao filme.

Invictus

Out of the night that covers me,
Black as the Pit from pole to pole,
I thank whatever gods may be
For my unconquerable soul.

In the fell clutch of circumstance
I have not winced nor cried aloud.
Under the bludgeonings of chance
My head is bloody, but unbowed.

Beyond this place of wrath and tears
Looms but the Horror of the shade,
And yet the menace of the years
Finds, and shall find, me unafraid.

It matters not how strait the gate,
How charged with punishments the scroll,
I am the master of my fate;
I am the captain of my soul.

William Ernest Henley

(A tradução portuguesa deste poema pode ser lida aqui.)

terça-feira, 25 de maio de 2010

Eutanásia: a opinião dos alunos das turmas C e G

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Este cartoon foi tirado daqui.                      Este cartoon foi tirado daqui.

A partir da próxima sexta disponibilizarei, na caixa de comentários, as opiniões dos alunos (das turmas C e G do 11º ano) sobre o problema ético da eutanásia.

A diversidade cultural: tradições e costumes de Cabo Verde

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Um pano de terra.

                                

Uma canção popular de Cabo Verde.

Pedi aos alunos, ao explicar a teoria do relativismo cultural moral, que apresentassem tradições de diferentes países.

A minha aluna Jocemira Ribeiro – a quem agradeço - escreveu um texto sobre alguns aspectos típicos da cultura de Cabo Verde, o seu país de origem. Vale a pena ler. 

O relativismo moral e cultural é uma  teoria filosófica acerca do valor de verdade dos juízos morais, segundo a qual a verdade ou a falsidade destes varia de sociedade para sociedade. Deste modo, o certo e o errado dependem do que a maioria das pessoas de uma sociedade aprova ou desaprova. Portanto, a acção de um indivíduo é ou não correcta consoante o código moral instituído na sociedade a que ele pertence.

De acordo com este critério, as práticas das diferentes sociedades têm igual valor desde que sejam reconhecidas pela maioria dos indivíduos dessa cultura. Assim, uma acção considerada correcta numa sociedade pode ser  errada noutra, a moralidade é relativa.

A defesa dos pressupostos desta teoria conduz ao conformismo, ou seja, à aceitação da opinião da maioria, contribuindo para a coesão social e para a tolerância entre culturas. No entanto, o respeito pela diversidade cultural só é benéfico quando as práticas culturais não têm efeitos nocivos. Por exemplo, a excisão genital praticada em certos países é uma tradição que não respeita os direitos fundamentais das pessoas. Por isso, a relatividade dos juízos morais torna-se não só discutível como indefensável.

Irei falar de alguns exemplos que ilustram a cultura do país onde nasci: Cabo Verde. A cultura desta  antiga colónia portuguesa apresenta algumas características específicas que permitem distingui-la de outras culturas, por exemplo:

- A língua nacional: o “crioulo”, embora a língua oficial seja o Português (falado na escola, na administração pública etc.).

- A música tradicional: A morna, o funaná, a coladera e a culinha. A morna é vista como uma forma de expressar a poesia através da música. A culinha é um tipo de dança marcada pelo uso de instrumentos de percussão rudimentares. Nesta dança usa-se roupa vermelha.

- O artesanato tem grande importância na cultura cabo-verdiana. A tecelagem e a cerâmica são artes muito apreciadas no país. Por isso, muitos utensílios e objectos de decoração são feitos manualmente.

- A gastronomia, onde podemos encontrar pratos típicos como a cachupa, este prato varia um pouco de ilha para ilha, pois por vezes usam-se ingredientes diferentes. Mas tem como base o uso de milho branco (eu pessoalmente gosto mais da cachupa da ilha da Brava).

- As crenças religiosas: a maior parte da população é cristã católica. Esta dedica-se bastante à pesca e à agricultura e, como prezam muito o mar, há uma festa religiosa no “dia da Nossa Senhora dos Navegantes”, protectora dos pescadores.

- O vestuário tradicional: o pano de terra que se usa bastante na cintura e na cabeça.

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Cachupa.

Uma dança tradicional de Cabo Verde, o funaná.

Jocemira Ribeiro, 10º A

 

Trabalho enquadrado no projecto BIA.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Pergunta realista

Vamos supor que numa certa sociedade o ensino da filosofia, da física, da matemática, da literatura, etc., era tão eficaz e bem sucedido que todas as pessoas se interessavam pelos problemas dessas disciplinas e todas sem excepção dedicavam - com prazer - tempo ao seu estudo e discussão. Alguns amigos ou um casal de namorados, depois de, por exemplo, se comprazerem com a leitura e a análise do poema “Precisão”, de Clarice Lispector, discutiriam argumentos acerca da existência ou inexistência de Deus ou embrenhar-se-iam no estudo da Teoria da Relatividade, de Einstein.

Numa tal sociedade, haveria alguém disposto a ser padeiro ou pedreiro? Duvido.

Há anos atrás, fiz uma pergunta semelhante a um colega e ele chamou-me reaccionário. Suspeito que ele, na verdade, pretendia chamar-me realista.

Elogio poético do rigor

PRECISÃO

O que me tranquiliza
é que tudo o que existe,
existe com uma precisão absoluta.
O que for do tamanho de uma cabeça de alfinete
não transborda nem uma fracção de milímetro
além do tamanho de uma cabeça de alfinete.
Tudo o que existe é de uma grande exactidão.
Pena é que a maior parte do que existe
com essa exactidão
nos é tecnicamente invisível.
O bom é que a verdade chega a nós
como um sentido secreto das coisas.
Nós terminamos adivinhando, confusos,
a perfeição.

Clarice Lispector

domingo, 23 de maio de 2010

A transitoriedade da vida retira-lhe o sentido? (2)

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Isabel Jonet, presidente do Banco Alimentar contra a fome.

O problema do sentido da vida é sinónimo, para muitas pessoas, de angústias ditas “existenciais” ou, então, “filosóficas”. Este último termo assume, neste contexto, uma conotação negativa, significa um devaneio infrutífero, cujo resultado - previsível e inevitável - é a dúvida.

Reflectir sobre a finalidade da vida é algo que, ao nível do senso comum, ocorre apenas em momentos difíceis ou de mudança, por exemplo. Contudo, em Filosofia, é um problema, tal como outros, acerca do qual se podem defender, argumentando, diferentes pontos de vista.

Se vamos todos, mais cedo ou mais tarde desaparecer, assim como aquilo que nós fazemos, para quê esforçar-nos por realizar certas actividades e alcançarmos determinados objectivos? Não será inútil e uma enorme perda de tempo? Se vamos deixar de existir, como refere um dos personagens - Alvy - do filme de Woody Allen (no vídeo do post anterior), para quê, então, fazer os trabalhos de casa?

Podemos responder que a brevidade da vida é, antes pelo contrário, um bom motivo para pensar no modo como gastamos o nosso precioso tempo e nos objectivos que são para nós valiosos.

Mas  esses objectivos terão todos igual valor?

Imaginemos alguém que faz depender o sentido da sua vida do prazer pessoal de possuir e ostentar roupas de marca e telemóveis de última geração. E suponhamos alguém que trabalha numa associação de voluntariado - como por exemplo Isabel Jonet do Banco Alimentar contra a Fome - a ajudar pessoas carenciadas de todo o país. No primeiro caso a felicidade é um fim em si mesma e esgota-se no prazer pessoal. No segundo caso, há a realização de actividades, cujo valor ético, não é meramente subjectivo. É claro que a prática destas acções solidárias poderá ter, eventualmente, como consequência um sentimento de satisfação ou de felicidade.

Os filósofos defensores das teorias objectivistas consideram que para a vida ter sentido não basta a pessoa sentir e pensar que isso acontece. É necessário analisar o valor objectivo das actividades realizadas, este pode ser ético, cognitivo ou outro. Assim sendo,  só o segundo exemplo ilustra uma vida com sentido.

Concorda com esta perspectiva? Porquê?

sábado, 15 de maio de 2010

Imoral não quer dizer sexual

Segundo os jornais, uma professora posou nua para uma revista erótica. A Câmara Municipal de Mirandela afastou-a das actividades lectivas e colocou-a a trabalhar no Arquivo Municipal. Motivo: impedi-la de contactar com alunos e pais, devido ao “alarme social” provocado pelo caso. A esse alarme não é estranho, além das notícias saídas nos jornais, o facto das pessoas da cidade terem comprado todos os exemplares da dita revista que encontraram à venda e de algumas das fotografias em causa terem circulado por email e telemóvel.

Ao ler sobre o caso vieram-me à memória as seguintes linhas de Fernando Savater e de Peter Singer. Creio que o caso não merece mais comentários.

 

“Quando as pessoas falam de ‘moral’ e sobretudo de ‘imoralidade’, oitenta por cento das vezes – e estou com toda a certeza a calcular por baixo – o sermão trata de alguma coisa que tem a ver com sexo. Tanto assim é que há quem julgue que a moral se dedica antes de mais a ajuizar o que as pessoas fazem com as suas partes sexuais. O disparate não podia ser maior (…). No sexo, por si próprio, nada há de mais ‘imoral’ do que comer ou passear no campo; claro que uma pessoa pode comportar-se imoralmente com o sexo (utilizando-o para prejudicar outra pessoa, por exemplo), do mesmo modo que há quem coma a parte do vizinho ou aproveite os seus passeios para planear atentados terroristas.”

Fernando Savater, Ética para um Jovem, 14ª edição, Dom Quixote, Lisboa, 2007, pp. 115-116.

“Algumas pessoas pensam que a moral está ultrapassada nos dias que correm. Encaram a moral como um sistema de proibições puritanas descabidas que se destinam sobretudo a evitar que as pessoas se divirtam. Os moralistas tradicionais pretendem ser os defensores da moralidade em geral, mas o que defendem na realidade é um determinado código moral. Apropriaram-se desta área a tal ponto que, quando uma manchete de jornal insere o título BISPO ATACA A DECADÊNCIA DOS PADRÕES MORAIS, pensamos logo que se trata de mais um texto sobre promiscuidade, homossexualidade, pornografia, etc., e não sobre as verbas insignificantes que concedemos para a ajuda internacional às nações mais pobres nem sobre a nossa indiferença irresponsável para com o meio ambiente do nosso planeta.

Portanto, a primeira coisa a dizer da ética é que não se trata de um conjunto de proibições particularmente respeitantes ao sexo. Mesmo na época da Sida, o sexo não levanta nenhuma questão ética específica. As decisões sobre o sexo podem envolver considerações sobre a honestidade, o respeito pelos outros, a prudência, etc., mas não há nada disso nada de especial em relação ao sexo, pois o mesmo se poderia dizer de decisões respeitantes à condução de um automóvel.”

Peter Singer, Ética Prática, Gradiva, Lisboa, 2000, pág. 18.

A respeito desta questão veja também o post "O que é realmente imoral: o sexo ou a miséria extrema?"

sexta-feira, 14 de maio de 2010

O que é pior: a tirania ou a anarquia?

“Um dia de anarquia é pior do que cem anos de tirania.”

Provérbio (turco?), citado de memória.

Os anarquistas consideram que a anarquia não merece o mau nome que tem e que é errado associá-la a confusão e desorganização. Pelo contrário, Hobbes, que defendia um Estado forte, subscreveria sem hesitar este provérbio. Quem tem razão?

Matriz do 5º teste de Filosofia do 11º ano (turmas B, C e G)

Temas: A teoria do conhecimento de David Hume. A ciência. A questão do sentido da vida.

MATRIZ DO 5º TESTE DE FILOSOFIA S 09 10

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Milagre??

aparição de nossa senhora aos 3 pastorinhos fatima

Milhões de pessoas acreditam que no dia 13 de Maio de 1917 Nossa Senhora apareceu em Fátima a três crianças que pastavam as suas ovelhas e acreditam que reapareceu novamente a 13 de Outubro do mesmo ano tendo então realizado um milagre observado por cerca de 70 mil pessoas: o Sol moveu-se, parecendo cair sobre as pessoas antes de regressar ao seu lugar.

milagre-do-sol em FátimaLevadas por essa crença muitas pessoas, incluindo o Papa Bento XVI, foram hoje, 13 de Maio de 2010, a Fátima e muitas outras assistirão às cerimónias pela televisão. Talvez não fizesse mal essas pessoas reflectirem um pouco acerca da plausibilidade ou implausibilidade dos milagres. As ideias David Hume são um bom ponto de partida para o efeito.

David Hume chama milagre a uma violação das leis da natureza e não a um mero acontecimento raro. Por exemplo: não é milagre um homem saudável morrer subitamente, mas será milagre se um homem morto voltar à vida. Por vezes há pessoas que declaram ter presenciado milagres. Porém, argumenta Hume, nenhum testemunho é suficiente para demonstrar a existência efectiva de um milagre, a não ser que o testemunho seja tal que a sua falsidade seja ainda mais “miraculosa” (ou seja, mais improvável) do que o facto testemunhado. Assim, se alguém nos disser que viu um homem morto regressar à vida, devemos tentar perceber o que é mais provável: 1) essa pessoa estar a enganar-nos deliberadamente ou estar enganada sem saber, ou 2) o facto por ela narrado ter realmente acontecido. Devemos comparar os dois “milagres” e rejeitar o “milagre” maior. Ou seja: se a falsidade do seu testemunho for ainda mais ”miraculosa” e improvável do que o regresso de um morto à vida então, e só então, devemos acreditar que o morto regressou à vida. Todavia, em todos os casos tornados públicos até hoje a improbabilidade do testemunho ser falso nunca é superior à improbabilidade da ocorrência do acontecimento.

Richard Dawkins analisou, à luz desse critério de David Hume, o suposto milagre de Fátima:

“Por um lado, é-nos pedido que acreditemos numa alucinação em massa, num artifício de luz ou numa mentira colectiva envolvendo 70 000 pessoas. Isto é reconhecidamente improvável, mas é menos improvável do que a alternativa: que o Sol realmente se moveu. O Sol que estava sobre Fátima não era, afinal, um Sol privado: era o mesmo Sol que aquecia todos os outros milhões de pessoas no lado do planeta em que era dia. Se o Sol se moveu de facto, mas o acontecimento só foi visto pelas pessoas de Fátima, então teria de se ter dado um milagre ainda mais notável: teria de ter sido encenada uma ilusão de não-movimento relativamente a todos os milhões de testemunhas que não estavam em Fátima. E isso se ignorarmos o facto de que, se o Sol se tivesse realmente deslocado à velocidade referida, o sistema solar se teria desintegrado.”

Os milhões de pessoas que acreditam no milagre de Fátima acreditam, portanto, numa falsidade.

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Bibliografia:

David Hume, Investigação sobre o entendimento humano, Edições 70, 1985, Lisboa (pp. 111-113, capítulo X, ‘Dos Milagres’).

Richard Dawkins, “O milagre de Fátima”, Crítica: Revista de Filosofia, http://criticanarede.com/html/fil_milagre.html.

terça-feira, 11 de maio de 2010

O sentido da vida é….

O que aconteceria se o céu não existisse?

Uma das vantagens de trocar ideias sobre música é a possibilidade descobrirmos canções novas, como foi hoje o meu caso. O meu aluno Miguel Soares (do 10º A), depois de ouvir a cantora de jazz Billie Holiday, deu-me a conhecer, no final da aula, uma canção sobre a poluição e o aquecimento global, chamada "Sky is Over", da autoria de Serj Tankian (ao que parece famoso!).

O Miguel, além sugestão musical,  escreveu as seguintes informações. Agradeço ambas.

Esta canção pretende fazer-nos pensar nas consequências negativas da poluição e do aquecimento global. Foi a primeira a ser escrita por Serj Tankian, depois de começar a sua carreira a solo (anteriormente pertencia a uma banda - "System of a down"). Na letra "Sky is Over" questiona-se o tipo de relação que o homem tem com a natureza: "Estamos em guerra com a Terra e todas as suas criaturas?"

Acerca do significado desta canção, Serj disse, numa entrevista, o seguinte: “I've always thought of the sky as, like, an open canvas. When I was a kid and I looked at the sky, I always remember being able to daydream, just looking at the sky, being creative, being able to design things. What would happen if we had no sky? Where would we be? Well, obviously, scientifically, without an atmosphere, we'd all be dead.” (Eu sempre achei que o céu era como uma tela aberta. Quando eu era um miúdo e olhava para o céu, lembrava-me sempre que era capaz de sonhar, só de olhar para o céu, ser criativo, ser capaz de delinear coisas. O que aconteceria se não tivéssemos céu? Onde estaríamos? Bem, como é óbvio, cientificamente, sem atmosfera, estaríamos todos mortos).

sábado, 8 de maio de 2010

Strange fruit: o racismo não é estranho, é imoral

Fotografia de Thomas Shipp and Abram SmithA fotografia retrata o linchamento de Thomas Shipp e Abram Smith, dois cidadãos americanos negros, em 1930. Este tipo de acções ocorriam especialmente no sul do Estados Unidos, mas também noutras regiões do país.

Abel Meeropol (cujo pseudónimo é Lewis Allen) foi um professor de Inglês judeu e ensinou numa escola de Nova Iorque. Depois de ver a fotografia, que se encontra neste post, escreveu um poema chamado “Strange Fruit”, onde exprime a injustiça e a brutalidade a que os americanos de origem africana estavam sujeitos.

Em 1939, Billie Holiday cantou pela primeira vez, num clube nocturno, o poema. Esta canção transformou-se num símbolo da rejeição do racismo.

A fotografia, o poema e a canção permitem-nos perceber melhor as razões que levaram Luther King (1929-1968) a defender, ainda que o seu país fosse uma democracia, a necessidade de utilizar a desobediência civil (que por definição é um mecanismo ilegal) para combater a discriminação contra os cidadãos negros, legalmente instituída nos Estados Unidos. A ideia subjacente à desobediência civil é que, quando determinadas  leis são imorais, é legítimo desobedecer-lhes de forma pacífica.

E de facto há muitas razões para considerar que o racismo é moralmente errado.

 

Strange Fruit

(escrito por Lewis Allen e Sonny White )


Southern trees bear strange fruit,
Blood on the leaves and blood at the root,
Black bodies swinging in the southern breeze,
Strange fruit hanging from the poplar trees.

Pastoral scene of the gallant south,
The bulging eyes and the twisted mouth,
Scent of magnolias, sweet and fresh,
Then the sudden smell of burning flesh.

Here is fruit for the crows to pluck,
For the rain to gather, for the wind to suck,
For the sun to rot, for the trees to drop,
Here is a strange and bitter crop.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Aborto: o argumento do violinista

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Niccolò Paganini (1782-1840) foi um compositor e grande violinista italiano. 

A filósofa norte-americana Judith Jarvis Thomson (n. 1929) escreveu, em 1971, um artigo “Uma defesa do aborto”, onde propõe ao leitor a seguinte situação imaginária (o que em Filosofia designamos como experiência mental):

«De manhã acorda e descobre que está numa cama adjacente à de um violinista inconsciente - um violinista famoso. Descobriu-se que ele sofre de uma doença renal fatal. A Sociedade dos Melómanos [dos apreciadores de música] investigou todos os registos médicos disponíveis e descobriu que só o leitor possui o tipo de sangue apropriado para ajudar. Por esta razão os melómanos raptaram-no e, na noite passada, o sistema circulatório do violinista foi ligado ao seu, de modo a que os seus rins possam ser usados para purificar o sangue de ambos. O director do hospital diz-lhe agora: “Olhe lamento que a Sociedade dos Melómanos lhe tenha feito isto - nunca o teríamos permitido se estivéssemos a par do caso. Mas eles puseram-no nesta situação e o violinista está ligado a si. Caso se desligasse matá-lo-ia. Mas não se importe, porque isto dura apenas nove meses. Depois ele ficará curado e será seguro desligá-lo de si”.

De um ponto de vista moral, o leitor teria a obrigação de aceitar esta situação? Não há dúvida de que aceitá-la seria muito simpático da sua parte, constituiria um gesto muito generoso. Mas teria de aceitá-la?»

Como responderia o leitor?

Considera que o facto de admitirmos o direito do feto à vida significa que o aborto não é moralmente permissível?

terça-feira, 4 de maio de 2010

O problema do aborto: leituras obrigatórias (10º A e 10ºC)

  • Sobre o problema ético do aborto, ver aqui e aqui.

  • Sobre alguns dos argumentos a favor, ver aqui.

  • Sobre alguns dos argumentos contra, ver aqui.
  • Data da aula de esclarecimento de dúvidas: 19 de Maio (10ºA) e 20 de Maio (10ºC).

  • Data limite para o envio do comentário para este blog: 24 de Maio.

  • Debate na aula: 31 de Maio.

domingo, 2 de maio de 2010

O problema do livre-arbítrio em filme

O vídeo contém um excerto do filme "Waking Life" (2001), de Richard Linklater.

Encontrei a referência ao filme no site Só Filosofia, na secção TV Filosofia.