A caracterização do senso comum como sendo um conhecimento prático é frequente. Consta de muitos livros de Filosofia (e de Sociologia). Contudo, essa caracterização não é rigorosa.
Um conhecimento prático é um saber-fazer, consiste no conhecimento de uma actividade. É verdade que o senso comum inclui inúmeros conhecimentos práticos, tais como saber cozinhar ou saber andar de bicicleta. No entanto, inclui também conhecimentos proposicionais, conhecimentos por contacto, superstições e outras crenças, que não são saberes práticos.
O conhecimento proposicional é, tal como o nome indica, o conhecimento de proposições. Também é conhecido por “saber que”. Por exemplo: saber que a lixívia debota a roupa, saber que (em Portugal) a pena máxima é 25 anos de prisão, saber que a cor do luto (em Portugal) é o preto, etc. O senso comum inclui inúmeros conhecimentos desse género, que não têm manifestamente um carácter prático.
O conhecimento por contacto é o conhecimento que temos de coisas, lugares, pessoas, etc. É um conhecimento directo e presencial. Por exemplo: conhecer as divisões de uma casa, conhecer pessoalmente um indivíduo, etc. O senso comum inclui inúmeros conhecimentos desse género, que não têm manifestamente um carácter prático.
Uma superstição é uma crença falsa e sem justificação plausível. Por exemplo: acreditar que as doenças são provocadas por espíritos malignos, acreditar que ver gatos pretos traz infelicidade, etc. O senso comum de muitas pessoas (mas talvez não de todas) inclui superstições. Tais crenças supersticiosas não têm obviamente carácter prático.
Por outro lado, o senso comum inclui também crenças que seria errado considerar superstições (convicções morais, políticas, sociais, etc., tais como: acreditar que se deve pagar as dívidas, acreditar que não se deve matar pessoas inocentes, etc.). Todavia, tais crenças também não são saberes práticos.
Por isso, o conhecimento prático é apenas uma parte do senso comum.
É igualmente frequente chamar-se conhecimento vulgar ao senso comum. Todavia, essa denominação não é rigorosa.
Os conhecimentos práticos, proposicionais e por contacto que fazem parte do senso comum podem ser designados de vulgares, uma vez que a sua aquisição não implica aprendizagens formais e elaboradas. Contudo, as superstições que fazem parte do senso comum não constituem conhecimentos vulgares. Não por não serem “vulgares” e implicarem aprendizagens formais e elaboradas, mas porque, sendo crenças falsas e injustificadas, não são sequer conhecimentos.
É duvidoso que muitas crenças do senso comum que não são supersticiosas constituam, ainda assim, conhecimentos, pois, embora não sejam falsas, a sua justificação adequada não se faz no âmbito do senso comum – mas sim da Filosofia e de ciências como a Psicologia ou a Economia.
A teoria filosófica que define o conhecimento como sendo uma crença verdadeira justificada presta-se a algumas objecções, pois provavelmente essas três condições não são suficientes para haver conhecimento e é necessário acrescentar uma ou mais condições para haver conhecimento. No entanto, não parece haver dúvidas que são condições necessárias. Pelo que as crenças do senso comum que são falsas ou injustificadas não são conhecimentos.
(Se as crenças do senso comum que são falsas ou injustificadas não fossem falsas nem injustificadas e pudessem ser consideradas conhecimentos, não seriam conhecimentos práticos, mas sim conhecimentos proposicionais.)
Por isso, apenas uma parte do senso comum constitui conhecimento.
Na imagem: A Leiteira (1658-60), de Johannes Vermeer.