domingo, 18 de outubro de 2009

O tempo até pode ser relativo, mas a verdade não

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Do fotógrafo Fred Brommet, Jardim do Luxemburgo, Paris 1956.

A expressão “é relativo” refere, na linguagem corrente, algo que depende do ponto de vista de cada sujeito (ou seja: não é igual para todas as pessoas). Pode aplicar-se, por exemplo, ao modo como percepcionamos a passagem do tempo. Este não flui da mesma maneira em todas as situações, depende da perspectiva do observador: os cinquenta minutos de uma experiência agradável, parecem passar muito mais depressa que os dez minutos de uma experiência desagradável. Este facto é explicável, entre outras, por razões de natureza psicológica.

Daí que Einstein tenha dito, ironicamente, a propósito da teoria da relatividade que esta significa que se mede “o tempo de maneira diferente quando se está sentado sobre um fogão quente ou quando se tem num banco de jardim, uma bela rapariga sentada ao colo…”

Na filosofia, o relativismo foi formulado pela primeira vez por Protágoras ao dizer que “o homem é a medida de todas as coisas”. Tais palavras significam que a verdade depende do ponto de vista de cada um e que não existe, portanto, uma verdade objectiva e igual para todos. Esta teoria filosófica pode ser defendida a propósito do conhecimento em geral ou de uma área específica - por exemplo, a ética ou a estética. (Caso seja defendida a propósito do conhecimento em geral, tal teoria auto-refuta-se, pois afirma com pretensão de objectividade que não existe objectividade.)

É certamente verdade que  algumas crenças são relativas. Além de exemplos semelhantes ao referido no primeiro parágrafo, pode-se mencionar também algumas crenças que dependem de factores sociais e culturais. É o caso, por exemplo, dos hábitos ligados à alimentação. O carácter saboroso ou repugnante das larvas de bicho da seda (muito apreciadas na China e na Tailândia) não constitui uma verdade objectiva e igual para todos.

No entanto, isto não se passa com todas as crenças. A verdade das crenças científicas é independente de todo e qualquer factor cultural ou psicológico. E é argumentável que o mesmo sucede com pelo menos algumas crenças morais (por exemplo que a excisão e a discriminação racial são moralmente erradas).

Deste modo, ao pretendermos colocar um ponto final numa discussão (onde sobre o mesmo tópico existam interpretações opostas) dizendo, para calar o nosso interlocutor: “É relativo! É a tua opinião!” estamos a argumentar de um modo manifestamente errado. Quando se trata de analisar a verdade ou a falsidade de certas ideias é necessário distinguir a nossa convicção quanto a isso da própria verdade ou falsidade dessas ideias (que depende de algo exterior às nossas convicções).

Assim, não podemos confundir, como diz Stephen Law, «aquilo que é verdadeiro quanto à crença de uma pessoa com a verdade daquilo em que ela acredita. Pode ser verdadeiro que eu acredito que Paris é a capital da Alemanha. Isso não implica que “Paris é a capital da Alemanha” seja verdadeiro. Se assim fosse, eu transformaria qualquer afirmação em verdadeira se acreditasse nela, por exemplo: “Eu consigo voar”».

Portanto, uma crença só pode ser justificada se encontrarmos boas razões a favor da sua verdade. O essencial são as boas razões e não a força das convicções.

Notas:

A primeira citação foi retirada do livro, Nova Física divertida, de Carlos Fiolhais, Ed. Gradiva, pág.89.

A segunda foi retirada do livro, Filosofia, de Stephen Law, Editora Civilização, pág. 199.

3 comentários:

Manolo Heredia disse...

"boas razões", cá está... o utilitarismo a entrar na discussão.

Renata Marques disse...

O que é a Verdade?

Carlos Pires disse...

Renata:

A verdade acerca de quê?