segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Faz algum sentido "persuadir" os professores através da força?

O texto seguinte foi enviado, na passada 5ª feira, para o jornal Público para ser publicado na secção “Cartas ao Director”. Como essa publicação não ocorreu, fica aqui a “carta”. Esperemos que a cara leitora ou o caro leitor seja o seu próprio Director e a possa “publicar” no seu pensamento e nas suas conversas.

Os professores que não entregaram os objectivos individuais são uma pequena minoria (há quem fale de 20%, mas gostávamos de descobrir que foram mais). Não há dúvida que quase todos aqueles que entregaram discordam do modelo de avaliação (simplex ou não) que o governo tem tentado impor. Para perceber isso basta pensar que em Portugal há pouco mais de 140 mil professores e que desses cerca de 120 mil participaram na célebre manifestação, sendo notório que muitos dos que não participaram também discordam do referido modelo.
Esses professores entregaram, portanto, os objectivos em contradição com a sua consciência, levados pelo medo das consequências. O governo insinuou que poderia haver processos disciplinares e tem sido dito que os professores que não entregarem os objectivos não poderão ser avaliados de nenhum modo e que continuarão “congelados” na progressão na carreira e no salário.
Os escravos trabalhavam sob a ameaça do chicote. Por contrariados que estivessem, faziam trabalhos físicos e, digamos assim, “exteriores” a eles.
Tendo em conta o tipo de trabalho (já nem falamos dos direitos ou da dignidade) efectuado pelos professores, que não é um trabalho meramente físico e “exterior”, será eficaz persuadi-los com o “chicote”? Um professor vítima de chantagem e obrigado a fazer algo contrário às suas convicções, numa área tão significativa como a sua própria avaliação, conseguirá ser (mesmo que se esforce) um professor motivado, empenhado e criativo? Diz-se, e com razão, que os professores devem promover a autonomia dos alunos. Mas se os professores forem tratados como pessoas menores, como uma espécie de “escravos” manipuláveis e sem autonomia, conseguirão ser bons promotores da autonomia alheia?
Este problema da avaliação dos professores pode ser analisado de muitas perspectivas. Estamos a sugerir que se considere o modo como o governo tem conduzido este processo na perspectiva de uma gestão racional dos recursos humanos e de uma liderança eficaz. Se o fizermos teremos obviamente de chumbar o governo, pois nele não houve nem gestão nem eficácia – e muito menos racionalidade e liderança.
Declaração de interesses: somos professores (de Filosofia), não entregámos os objectivos, queremos ser avaliados, queremos que essa avaliação seja exigente e tenha consequências (positivas ou negativas, consoante os resultados) na nossa progressão na carreira e no nosso salário, queremos que essa avaliação seja rigorosa e objectiva – o que não será possível com o modelo de avaliação do governo.

Carlos Pires
Sara Raposo

2 comentários:

Miguel Portugal disse...

Caríssimos colegas: a vossa declaração de intenções poderia muito bem ser subscrita por um amplo número de professores (pena que talvez não por todos!). Pelo menos eu subscrevo-a na íntegra. Tocaram os pontos essenciais: queremos ser avaliados; a avaliação deve ser rigorosa e o mais objectiva possível; e deve ter consequências remuneratórias e para progressão na carreira. É pena que o governo não tenha tido essa intenção. Como infeliz é também a forma ardilosa como tem tentado manipular a opinião pública, criando um abissal problema socio-cultural, que demorará a resolver-se, quando fez dos professores e da escola um mero instrumento economicista e uma mera arma político-eleitoralista.

P.S.: Parabéns pelo blog (recomendado), que sei já ter sido visitado por alunos meus.

Anónimo disse...

E faz algum sentido aceitar um modelo de avaliação que é à luz da nossa razão absolutamente inaceitável, imbecil até pelas consequências que dele derivam?? Somos educadores????De quem???