Há dias encontrei um colega, professor de Filosofia, que não via há anos. Quando falámos de manuais escolares a conversa tornou-se menos cortês. Disse-lhe o nome do manual de Filosofia (50 Lições de Filosofia) que na Escola Secundária de Pinheiro e Rosa adotámos para o 10º ano e ele acusou-me de ser “analítico” e por isso de escolher manuais “analíticos”.
Não foi a primeira vez que ouvi essa palavra ser usada com intuito pejorativo. Contudo, ser “analítico” será algo criticável?
Penso que ser “analítico” na filosofia é algo bom e não mau. Não vou apresentar aqui a história da filosofia analítica para justificar essa ideia, mas apenas referir brevemente alguns aspetos que caracterizam a filosofia analítica atual.
Quando chamamos “analítico” a um filósofo não estamos a caracterizar as suas ideias. Não estamos a dizer que defende a existência de Deus nem que é ateu. Não estamos a dizer que é liberal nem que é comunista. Não estamos a dizer que é contra o aborto nem que é a favor do aborto. Não estamos a dizer que defende o livre-arbítrio nem que defende o determinismo. Não estamos a dizer que considera a vida humana absurda nem que julga que esta tem sentido, religioso ou não. A lista poderia, naturalmente, continuar.
Na verdade existem filósofos analíticos a defender todas essas ideias. Existem filósofos analíticos em qualquer um dos lados de uma discussão filosófica: Bertrand Russel era ateu, mas Richard Swinburne e Alvin Plantinga são crentes. Peter Singer defende o aborto, mas Harry Gensler considera o aborto errado. Mais uma vez, a lista poderia continuar, continuar, continuar.
Não são, portanto, os temas nem as opiniões que distinguem os filósofos analíticos.
Quando chamamos “analítico” a um filósofo estamos a dizer principalmente duas coisas:
1. Que se preocupa com a clareza do que diz, ou seja, tenta não ser ambíguo nem vago, tenta ser compreensível e não se refugia atrás de frases obscuras.
2. Que se preocupa com a justificação do que diz: apresenta argumentos em defesa das suas ideias e compara-as com as ideias contrárias, discutindo criticamente ambas.
Mas, se é assim, a filosofia analítica não é uma grande novidade. Bem vistas as coisas, os filósofos analíticos são os continuadores de uma tradição que inclui Sócrates, Platão, Aristóteles, Descartes, Kant, Stuart Mill e muitos outros, pois todos eles tentaram que as suas investigações filosóficas tivessem as duas características anteriormente referidas.
A prática analítica da filosofia, tal como se assemelha à prática desses filósofos, distingue-se da prática de filósofos como, por exemplo, Heidegger, Derrida ou Deleuze. Mas não se poderá dizer o mesmo de Sócrates, Platão, Aristóteles, Descartes, Kant e Stuart Mill? O esforço para ser claro e a constante atitude argumentativa desses filósofos parece ter mais afinidade com o trabalho dos filósofos analíticos, como por exemplo Bertrand Russel e Peter Singer, do que com as ambíguas obscuridades de Heidegger, Derrida ou Deleuze.
Não vale a pena, por isso, recear a filosofia analítica. O facto de um manual de filosofia ser “analítico” não é, naturalmente, condição suficiente para ser um bom manual. Contudo, isso também não é condição suficiente para ser um mau manual e talvez valha a pena perguntar se não é, pelo contrário, uma condição necessária para ser um bom manual de filosofia.
Note-se que não escrevi filosofia analítica, mas simplesmente filosofia.
Se quiser ler textos sobre a filosofia analítica mais claros e bem argumentados que o meu pode começar por estes:
Sem comentários:
Enviar um comentário