quinta-feira, 19 de abril de 2012

Preparação para o teste intermédio de Filosofia do 11º ano (2012): Penso, logo existo - uma ideia que toda a gente conhece? (11)

image Para saber mais sobre este livro, ver AQUI.

Transcrevo do livro 7 ideias filosóficas que toda a gente devia conhecer - da autoria de Desidério Murcho  - algumas passagens que poderão ser, pela sua clareza,  esclarecedoras para o teste intermédio de sexta.

Outros materiais disponibilizados neste blogue acerca dos conteúdos programáticos em que irá incidir o teste intermédio (fichas de trabalhos, testes, textos...), podem consultados AQUI.

Um bom estudo a todos!  :)

(…) «Será que sabemos realmente o que cremos saber?» (…) Quatro anos apenas depois da publicação do Discurso, Descartes publicou – em latim, desta vez – uma obra filosófica mais pormenorizada, cujo título completo é Meditações sobre a Filosofia Primeira, nas quais são demonstradas a existência de Deus e a distinção entre a Alma e o Corpo. Foi nesta obra que Descartes inventou o famoso génio maligno (…).

O génio maligno é um ser poderoso, mas tão perverso, que nos engana continuamente: sempre que cremos ver algo, estamos a ser vítimas de uma ilusão, de maneira que esse algo não existe ou é totalmente diferente do que parece (…).

A hipótese do génio maligno torna mais nítido um problema central de uma área da filosofia que se chama «teoria do conhecimento» ou «epistemologia» (que deriva do termo grego episteme, que significa «conhecimento»). Entre outras coisas, nesta disciplina trata-se de investigar qual é a justificação última das nossas crenças. Mas o que é isso de «justificação última»? E, já agora, o que é uma crença?

Uma crença não é o mesmo que uma crença religiosa. Todas as crenças religiosas são obviamente crenças, mas muitas crenças não são religiosas: são crenças matemáticas, científicas, históricas ou de senso comum. O leitor tem a crença de que está a ler este livro e de que a Espanha é maior que Portugal. Uma crença é apenas uma representação, verdadeira ou falsa, que alguém faz de algo.

Por sua vez, a justificação última é aquele tipo de justificação que não depende de qualquer outra (…).

(…) dizer apenas «sei que estou a ler um livro porque é isso que vejo e sinto» não é uma justificação última. É uma justificação, e não é de modo algum uma má justificação, mas não é uma justificação última – porque depende de outras crenças que, por sua vez precisam também de ser justificadas.

Se lhe ocorre agora que ao raciocinar dessa maneira nunca conseguiremos parar porque nunca descobriremos justificações últimas, já está a pensar filosoficamente. Só que ainda não considerou cuidadosamente se realmente não descobriríamos tais justificações. O melhor a fazer é então responder a esse desafio e tentar descobri-las. Foi o que fez Descartes.

O cogito

Descartes estava convencido de ter descoberto pelo menos uma crença cuja justificação não depende de quaisquer outras crenças: a crença de que ele mesmo existe. Na gíria académica chama-se «cogito cartesiano» a esta crença, devido à expressão latina cogito, ergo sum (penso, logo existo), e o nome latino de Descartes: Renatus Cartesius.

O raciocínio de Descartes é que mesmo sob a extravagante suposição de que um génio maligno me engana sistematicamente, ele não me pode enganar se eu não existir (…).

Sempre que vejo árvores, talvez não existam árvores na realidade; sempre que me lembro de algo talvez se trate de uma falsa memória; quando sinto e vejo ter um corpo com certas características talvez esteja iludido – quem sabe se, de facto, me pareço com lagartixas ou besouros, e não com um símio sem pêlos?

Talvez tudo isto ocorra, pensa Descartes, se a hipótese do génio maligno for verdadeira. Mas para que todas essas ilusões possam existir, para que o génio maligno me possa enganar, é preciso que eu exista.

A crença de que existo não pode ser falsa em qualquer das circunstâncias em que pondero se existo ou não – ou em que pondero seja o que for (…).

(…) a crença de que existo como ser pensante é, por um lado insusceptível de refutação e, por outro, constitui – por isso mesmo – a justificação última de todas as nossas crenças. Vejamos brevemente este segundo aspecto.

Tome-se uma crença perceptiva, como a de que o leitor está com este livro na mão. Trata-se de uma crença muito diferente das crenças matemáticas. Estas últimas não se justificam recorrendo à experiência, mas antes ao cálculo matemático: ao pensamento puro.

Já no que respeita às crenças perceptivas, faz sentido justificá-las recorrendo à experiência perceptiva: o leitor sabe que está com este livro na mão porque é isso que sente e vê. Mas Descartes considera que esta justificação, apesar de perfeitamente adequada não é última – pois se formos vítimas do génio maligno, o facto de parecer que o leitor vê e sente o livro é compatível com a inexistência do livro. O que justifica a confiança nos sentidos terá de ser outro conjunto de considerações que Descartes procura retirar do próprio cogito. Daí que Descartes pense que a justificação última das nossas crenças, incluindo as perceptivas, não repousa nos sentidos.

Deste modo se vê que uma posição filosófica aparentemente absurda – como poderá alguém crer que o conhecimento do que vemos não se baseia inteiramente nos sentidos? – não, é afinal, tão absurda assim. Poderá ser falsa, mas é avisado começar por compreendê-la bem para tentar então defender que é.

Desidério Murcho, 7 ideias filosóficas que toda a gente devia conhecer, Editorial Bizâncio cap. 1.

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