Volto a publicar um pequeno post destinado, sobretudo, aos alunos do 10º e 11º ano (em particular o último parágrafo).
Ao observarmos as duas tiras deste cartoon detectamos uma contradição no discurso e no comportamento do indivíduo, supostamente, crente. A Lógica permite-nos explicar com exactidão porquê.
Numa lógica binária, as proposições expressas em frases declarativas com sentido podem ter apenas dois valores de verdade: o verdadeiro ou o falso. Vamos imaginar, a propósito do cartoon, duas proposições universais defensáveis pelo indivíduo crente e as respectivas proposições particulares opostas.
Poderíamos formular, por exemplo em relação à primeira tira, o seguinte par de proposições:
1) Nenhuma pessoa deve respeitar o ponto de vista dos outros sobre a religião (proposição universal negativa).
Algumas pessoas devem respeitar o ponto de vista dos outros sobre a religião (proposição particular afirmativa).
Quanto à segunda tira:
2) Todas as pessoas devem respeitar o ponto de vista dos outros sobre a religião (proposição universal afirmativa).
Algumas pessoas não devem respeitar o ponto de vista dos outros sobre a religião (proposição particular negativa).
Em ambos os pares de proposições se considerarmos verdadeiras as proposições universais, as proposições particulares - diferentes quanto à qualidade (uma é afirmativa outra negativa) e quantidade (uma é universal e a outra particular) - serão necessariamente falsas e vice-versa.
É logicamente impossível, em cada par, ambas as proposições serem verdadeiras ou falsas – chamam-se, por isso, a cada um destes pares proposições contraditórias. Sabendo o valor de verdade de uma delas, podemos concluir, com certeza, o valor da proposição oposta: se um dos elementos do par for verdadeiro o outro será falso e reciprocamente.
Aristóteles demonstrou que no caso das proposições com uma estrutura (ou forma lógica) semelhante a 1) e 2) podemos determinar, independentemente do assunto das frases em causa (do conteúdo), o valor de verdade de uma das proposições do par, conhecendo o valor de verdade da outra.
Assim sendo, uma pessoa crente ao defender a intolerância (na 1ª tira) em relação a quem tem um ponto de vista religioso diferente do seu, está a negar a tolerância ou o respeito pelo ponto de vista religioso de quem quer que seja, incluindo o dela própria. Logo, não faz sentido (é contraditório) pedir ao ateu (na 2ª tira) tolerância ou respeito para com a religião.
O modo como se contradiz uma proposição singular difere das universais. Estas últimas referem-se a todos os elementos de um dado conjunto (tal como expressam os quantificadores: todos e nenhum), as singulares afirmam que um indivíduo específico possui ou não um determinado predicado. Por isso, a contraditória é obtida, simplesmente, com a introdução da palavra não. Se é verdade que “Torquemada foi um religioso intolerante”, então é falso que “Torquemada não foi um religioso intolerante” e vice-versa.
Na lógica proposicional clássica, por P entende-se uma variável substituível por qualquer frase que designe uma proposição simples (uma ideia ou pensamento ao qual se possa atribuir o valor de verdadeiro ou falso), uma proposição contraditória obtém-se negando a proposição inicial (não P). A negação é um operador verofuncional que aplicado às frases simples (expressam uma proposição apenas) ou compostas (expressam mais do que uma proposição) permite obter proposições com valores lógicos diferentes:
- Se P for verdadeira, então não P é falsa. Por exemplo: se a proposição “A Inquisição existiu” é verdadeira, a proposição “A Inquisição não existiu” é necessariamente falsa e vice-versa.
- Se P for falso, então não P é verdadeira. Por exemplo: se a proposição “Torquemada não foi inquisidor” é falsa, a proposição “Não é verdade que Torquemada não foi inquisidor” (o que é logicamente equivalente a dizer que “Torquemada foi inquisidor”, pois trata-se de uma dupla negação) é necessariamente verdadeira e vice-versa.