sexta-feira, 31 de julho de 2009

Procurar a verdade é valioso mesmo que não se consiga encontrá-la

«O entendimento, tal como a vista, apreendendo os objectos só pela sua própria luz, não pode deixar de se regozijar com aquilo que descobre e importar-se muito pouco com as coisas que deixou escapar, porque essas lhe são desconhecidas.

Todo aquele que não deseja depender das opiniões que a sorte lhe trouxe, mas se empenha em procurar a verdade, sempre encontrará nessa busca alguma satisfação; e por muito pouco que venha a obter, nunca dirá que perdeu o seu tempo.»

John Locke, Ensaio sobre o Entendimento Humano, vol. I, F.C.Gulbenkian, Lisboa, 1999, pág. 5.

o filósofo John Locke 

 

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Os paradoxais frutos do facilitismo

O facilitismo que tem caracterizado as políticas educativas (deste governo e dos anteriores) dá nisto: se os exames não são escandalosamente fáceis os resultados são maus.

Segundo o jornal Público, “todos os exames do ensino secundário mais concorridos tiveram média negativa na segunda fase. Aconteceu assim a Português e Matemática: na língua materna, da primeira para a segunda fase, a média desceu de 11 para 8,9; e a Matemática de 10 para 8,8. Nas disciplinas que já tinham tido média negativa na primeira fase, o desempenho ainda foi pior agora. A média em Física e Química passou de 8,4 para 8,0, enquanto em Biologia e Geologia desceu de 9,5 para 8,8”.

Nos últimos anos a educação em Portugal tem sofrido reformas e alterações constantes – muitas delas avulsas e incoerentes. Mas continuamos a precisar de mudar. A educação portuguesa continua a precisar de ser reformada.

Esperemos que desta vez se perceba que a mudança tem de ser feita com a cabeça e não com os pés!

terça-feira, 28 de julho de 2009

Jorge Palma: pois nem só de jazz e música clássica vive um professor que arruma papéis!

Para um professor, arrumar papéis nesta altura do ano é uma daquelas actividades para a qual a expressão “ossos do ofício” parece que foi inventada. Só que não são apenas papéis, mas também documentos informáticos: Word, Excel, etc. E os posts deste blogue, pois faltam etiquetas em muitos (sobretudo nos mais antigos). Ouvir música enquanto se faz esse género de coisas ajuda a não perder a atenção e, sobretudo, a paciência.

Há dias falei deste “osso” noutro sítio, também com boa música à mistura. O que mostra que é um osso duro de roer.

Quanto à canção de Jorge Palma, cujos versos pode ler a seguir, desengane-se o leitor: esta fala do amor infeliz entre um homem e uma mulher e não da relação dos cidadãos com o governo!

“Escuridão (vai por mim)”, de Jorge Palma

Não estou com grande disposição
P'ra outra enorme discussão
Tu dizes que agora é de vez
Fico a pensar nos porquês
Nós ambos temos opiniões
Fraquezas nos corações
As lágrimas cheias de sal
Não lavam o nosso mal

E eu só quero ver-te rir feliz
Dar cambalhotas no lençol
Mas torces o nariz e lá se vai o sol

Dizes vermelho, respondo azul
Se vou para norte, vais para sul
Mas tenho de te convencer
Que, às vezes, também posso...

Ter razão!
Também mereço ter razão
Vai por mim
Sou capaz de te mostrar a luz
E depois regressamos os dois
À escuridão

Se eu telefono, estás a falar
Ou pensas que é p'ra resmungar
Mas quando queres saber de mim
Transformas-te em querubim
Quero ir para a cama e tu queres sair
Se quero beijos, queres dormir
Se te apetece conversar
Estou numa de meditar

E tu só queres ver-me rir feliz
Dar cambalhotas no lençol
Mas torço o meu nariz e lá se vai o sol

Dizes que sou chato e rezingão
Se digo sim, tu dizes não
Como é que te vou convencer
Que, às vezes, também podes...

(escuridão)

Ter razão!
Também mereces ter razão
Vai por mim
És capaz de me mostrar a luz
E depois regressamos os dois
À escuridão

Atenção!
Os dois podemos ter razão
Vai por mim
Há momentos em que se faz luz
E depois regressamos os dois
À escuridão

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Três exemplos para expressar a ideia de mudança

“Para quem entrar no mesmo rio, outras são as águas que correm por ele.”

Heraclito (séc. VI-V a.C.)


“(…) somente aos deuses não cumpre envelhecer nem conhecer a morte,

o mais, tudo apaga o tempo omnipotente.

Fenece a força da terra, esvai-se a do corpo,

morre a confiança, germina a deslealdade,

e não é o mesmo espírito que passa entre homens,

que se estimam, nem de uma cidade para a outra.

Ora é já amargo o que era doce, ora o será

de futuro, e de novo voltará a apreciar-se.”

Sófocles, Édipo em Colono (607-615).



Notas:

Nas traduções portuguesas de obras filosóficas gregas é, por vezes, utilizada a palavra devir, significando a mudança constante a que a realidade (pelo menos a que é captada pelos nossos sentidos) está sujeita.

O fragmento de Heraclito e o poema de Sófocles foram traduzidos por Maria Helena da Rocha Pereira a partir do grego e podem ser encontrados no livro: Hélade, antologia da cultura grega, 5ª Edição, Coimbra, 1990.

Sócrates na praia

É pouco frequente ver alguém ler um livro na praia. Por isso, foi com surpresa que ontem vi - na praia da Altura - uma mulher a ler o Fédon, de Platão.praia da altura

Era uma senhora dos seus quarenta e poucos anos. Com a cabeça entre as mãos e a cara enfiada no livro, parecia pertencer a uma espécie animal diferente da dos outros banhistas, entretidos a apanhar conquilhas e absorvidos em conversas cujo assunto menos pessoal era – a avaliar por algumas amostras recolhidas ao acaso – uma alarmante notícia televisiva sobre o cancro da pele. Quando os filhos vinham a correr mostrar-lhe uma concha especialmente bonita, a mulher levantava os olhos do livro e sorria com doçura, mas de modo breve e regressava logo à leitura. (Procedia do mesmo modo, excepto no que diz respeito ao sorriso, quando o marido lhe tentava desviar a atenção para uma colorida revista de automóveis.)

E o que ela lia era a descrição das últimas horas de vida de Sócrates. Este tinha sido condenado à morte e, apesar de se considerar inocente, recusou fugir quando teve oportunidade para isso, pois na sua opinião a fuga seria ainda mais errada que a condenação. Ao conversar com alguns amigos que se tinham ido despedir dele à prisão, Sócrates afirmou que não há razão para um homem justo temer a morte, pois a alma é imortal e após a morte do corpo vai para um lugar melhor que esta vida. Os amigos pediram-lhe para justificar essa crença na imortalidade da alma, o que levou Sócrates a apresentar e discutir com os amigos diversos argumentos. Nessa discussão foram ainda analisados outros assuntos, como por exemplo o suicídio, a natureza da filosofia e o sentido da vida.

Excelentes tópicos, não há dúvida nenhuma, para ocupar o pensamento num domingo de manhã numa praia do Algarve!

Por vezes, a mulher fechava o livro durante alguns momentos e olhava pensativamente para o mar – muito recuado, devido à maré-vazia. Estaria ela a pensar em objecções aos frágeis argumentos de Sócrates a favor da imortalidade da alma? Ou estaria a pensar como era admirável um homem que, a poucas horas de ser morto, não só aceita discutir um problema filosófico como incentiva os seus interlocutores a criticar tudo o que ele dissesse de menos sólido e que – face à admiração respeitosa destes – lhes diz “preocupem-se pouco com Sócrates e muito mais com a verdade”? Ou talvez pensasse apenas que, caso ela estivesse no lugar de Sócrates, ficaria inquieta e amedrontada e não serena como ele… Ela e a grande maioria das pessoas!

No final da conversa, quando se aproximava a hora da execução, Sócrates disse aos amigos que ia tomar banho para “poupar às mulheres o incómodo de lavarem um cadáver”. O que pensará aquela mulher dessas palavras? Julgará que foram apenas uma observação casual de um homem educado numa sociedade onde as mulheres eram consideradas muito inferiores aos homens? Ou acreditará, pelo contrário, que exprimiam respeito e consideração ética (comoventes, em alguém que sabe que vai morrer) por outras pessoas, ainda que socialmente desfavorecidas?

O receio de ser indelicado e o calor do meio-dia (que obrigou a uma retirada precoce da praia), impediram-me de procurar junto da senhora respostas para essas perguntas. Mas não faz mal, pois Sócrates tornou-se um símbolo do pensamento crítico e da Filosofia precisamente porque incentivava as pessoas a pensar pela própria cabeça, em vez de ficarem à espera que alguém encontrasse as respostas por elas. Não falei com a senhora tal como não falei com Sócrates – mas, como disse o Professor Mário Jorge de Carvalho, numa distante aula de uma disciplina de opção cujo nome já nem recordo, “o que importa é sermos o nosso próprio Sócrates”.

Acho que vou reler o Fédon

As afirmações citadas foram retiradas de: Platão, Fédon, (91c e 115b), Lisboa Editora, 1997, pp. 88 e 119.

Fotografia de António Carlos Moreira, retirada daqui.

sábado, 25 de julho de 2009

O que é pior: sofrer a injustiça ou cometê-la?

Chegou apressado ao pé dos amigos, sentados na esplanada a beber cerveja e a falar de futebol. Pediu desculpa pelo atraso e explicou que, ao estacionar, se tinha distraído e batido no carro do lado. “Ficou um bocado amolgado… Por sorte ninguém me viu! Fui pôr o meu carro noutra rua, pois tem um risquinho à frente e se o tivesse deixado lá as pessoas iriam provavelmente relacionar as coisas.” Quando lhe perguntaram se conhecia o proprietário disse que sim e perguntou: “Acham que lhe devo dizer que fui eu e pagar o prejuízo?” Os outros riram-se e disseram em coro: “Estás maluco ou quê?”

Pediram mais cervejas e regozijaram-se todos com a sorte do amigo não ter sido apanhado. De repente, perceberem que estavam a falar demasiado alto e que podiam ser escutados e calaram-se, atrapalhados. Apesar das mesas mais próximas estarem vazias e eu ter a cabeça enterrada num livro, a conversa foi retomada com as peripécias das transferências de jogadores de futebol.

O livro não era o Górgias de Platão, mas não pude deixar de recordar as palavras de Sócrates, que depois fui reler:

“Não desejo nem uma nem outra; mas se fosse preciso escolher entre sofrer a injustiça e cometê-la, preferiria sofrê-la.”

“O homem culpado, tal como o injusto, é infeliz em qualquer caso, mas é-o sobretudo se não pagar as suas faltas e não sofrer o respectivo castigo; é-o menos, pelo contrário, se as pagar e se for castigado pelos deuses e pelos homens.”

Se aqueles bebedores de cerveja fizessem parte do grupo de pessoas que – segundo conta Platão no diálogo Górgias - ouviu Sócrates tentar persuadir Polo acerca da verdade dessas afirmações, certamente bradariam: “Estás maluco ou quê?”

(As afirmações citadas foram retiradas de: Platão, Górgias, (469c e 472e), Lisboa Editora, 1995, pp. 78 e 83.)

quinta-feira, 23 de julho de 2009

A verdadeira vocação da escola

«As escolas secundárias, e o ensino em geral, burocratizaram-se. Esse foi o efeito infeliz de uma medida feliz: a massificação do ensino. Hoje as escolas são parte de uma máquina burocrática, gerida por burocratas que tudo o que procuram é a sua promoção pessoal e continuar a ganhar bem sem fazer nada. E para conseguirem isto têm de apresentar números felizes de sucesso escolar inventado. É assim que chumbar alunos é proibido, mesmo que mal saibam escrever. Aliás, agora já estamos na situação em que os próprios professores mal sabem escrever – os produtos do “sucesso” escolar já estão nas escolas a perpetuar o atraso nacional.

Mas as escolas não devem ser máquinas burocráticas. Devem ser centros vivos de estudo, centros de vida cultural, centros de transmissão e produção de conhecimento. As escolas devem assumir-se como pólos culturais fundamentais, e mostrar uma alternativa à cultura de realejo e do foguete, ao discurso para a televisão e sobre a televisão, e mostrar alternativas: a discussão das grandes ideias filosóficas, científicas, artísticas, históricas e religiosas. Mostrar que discutir ideias, expandir o nosso conhecimento, alargar a nossa compreensão, são não apenas actividades compensadoras em si, mas também elementos fundamentais para que uma sociedade seja capaz de vencer desafios com ideias novas e criativas, com soluções imaginativas e inteligentes. Este é o papel original das escolas.

Compete ao professor devolver às escolas a sua verdadeira vocação, e tirar das garras dos burocratas do Ministério e dos políticos cinzentos de discurso televisivo o destino das escolas. São essas pessoas que querem escolas passivas porque querem cidadãos passivos, que querem a cultura afastada das escolas porque o mote é dividir para conquistar. Mas a escola não pode nem deve dissociar-se da vida cultural e política de um país. A escola é o lugar onde se devia discutir ideias a um outro nível que não o da todo-poderosa televisão (…). Mas terão de ser os professores a reivindicar a autoridade nas escolas; terão de ser eles a dizer que quem manda são os professores, e não o contrário, e que os professores existem para servir os estudantes e a sociedade.

A escola tem de pugnar pela qualidade. Essa qualidade começa na sala de aula.»

Desidério Murcho, A Natureza da Filosofia e o seu Ensino, Plátano Editora, Lisboa, 2002, pp. 14-15.

A data de edição do livro é Julho de 2002. E hoje? Será a situação actual diferente? A resposta parece ser óbvia, mas fica ao critério do leitor.

livro A natureza da Filosofia e o seu ensino Se clicar na capa do livro poderá obter mais informações acerca dele.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Song to the moon: os pés na terra e a cabeça na Lua!

‘Song to the moon’, de Antonín Dvorák, interpretada por Leontyne Price.

Neil Armstrong pisou a Lua há 40 anos. Foi o primeiro ser humano a pisar terra que não é da Terra. Esta ‘Song to the moon’ não nos leva até ao satélite natural do planeta Terra, mas deixa-nos na Lua – no sentido metafórico da expressão.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

As fases humanas da Lua

Lua Adversa

Tenho fases, como a lua,
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.

Fases que vão e que vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.

E roda a melancolia
seu interminável fuso!

Não me encontro com ninguém
(tenho fases, como a lua...).
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua...
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu...

Cecília Meireles, in 'Vaga Música'

Aniversário: Neil Armstrong pisou a Lua há 40 anos. Foi o primeiro ser humano a pisar terra que não é da Terra.

Ir à Lua com os pés bem assentes na terra

Foi há 40 anos que Neil Alden Armstrong pisou a Lua. E agora? Há várias hipóteses, no que ao próximo passo diz respeito. E muitas dificuldades, entre as quais o dinheiro talvez nem seja a pior. Veja aqui uma pequena lista de hipóteses e de dificuldades.

domingo, 19 de julho de 2009

O valor do esforço – uma história de Isaac Asimov

«Isaac Asimov, num conto com mais de cinquenta anos publicado nos Nove Amanhãs, relata a seguinte história. Num futuro imaginário, as crianças brincam 364 dias por ano e um dia por ano o seu cérebro fica ligado a uma máquina com discos que lhes administram automaticamente todos os conhecimentos de que necessitam. Assim fazem toda a escolaridade e aprendem tudo o que precisam, da primária à Universidade. Todos menos um rapazito.

Desde os 7 anos de idade este rapaz foi obrigado a aprender à maneira antiga: estudando, tendo aulas, esforçando-se, compreendendo, investindo o seu tempo. Enquanto os seus amigos brincavam 364 dias por anos, ele estudava. E assim foi, para sua grande frustração, incompreensão e mesmo revolta, até à idade adulta.

Nessa altura foi chamado pelas classes governantes da sociedade. Começa por expor toda a sua revolta. Porque é que me trataram assim? Porque é eu tive de me esforçar para aprender por mim próprio tudo aquilo que ensinaram aos outros sem esforço? E a resposta foi “Porque tu foste escolhido para escrever os próximos discos”.»

No post Para que serve a Matemática? foi referido um brilhante texto de Jorge Buescu sobre a importância do estudo da Matemática. Nesse texto é contada esta história de Isaac Asimov, cujo significado não se cinge ao estudo da Matemática, pois mostra a importância do ensino rigoroso e exigente, seja qual for a área.

Para que serve a Matemática?

math

O cartoon foi tirado deste sítio.

Jorge Buescu publicou em 2007, no jornal Público e também no blogue Rerum Natura, um interessante texto (para ler clicar aqui) sobre a importância de aprender Matemática.

Seguem-se algumas passagens do texto, para mostrar que a sua leitura constituí um ganho de tempo e de ideias claras.

“A Matemática não se aprende na Wikipedia ou navegando pela Internet. Exige pensamento, estudo, concentração, treino e algo para que nos últimos 2500 anos não se inventou substituto – o contacto humano. Aquilo a que normalmente se chama aulas.

Não sei se isto parece aborrecido, mas é a melhor (se não mesmo a única) maneira de aprender Matemática. E aprender é não só uma aventura maravilhosa, como tem no final o pote de ouro da compreensão do mundo. E para transformar o Mundo, é preciso primeiro compreendê-lo.”

sábado, 18 de julho de 2009

Ler bons livros diminui o calor no Verão e o frio no Inverno!

corot woman reading Problemas da Filosofia JR

Jean-Baptiste Camille Corot, “Mulher lendo com paisagem” (1869).

mulher lendo reading by th window - charles james lewis 1830 Na praia de Chesil Ian McEwan

Charles James Lewis, “Mulher lendo à janela” (1830).

Se clicar na capa dos livros poderá obter mais informações acerca dos mesmos.

O elogio da dificuldade: a matemática e a felicidade dos alunos

neurocirurgião JoãoLoboAntunesPode ler no blogue De Rerum Natura um texto extraordinário de João Lobo Antunes (professor de Medicina e neurocirurgião).

Fala da relação da matemática com as ciências biomédicas e da importância de uma educação de qualidade. De passagem zurze as ideias pedagógicas conhecidas como “eduquês” (e que são, infelizmente, defendidas por muitos professores e outros responsáveis pelo sistema de ensino).

Eis 4 pequenos excertos, para abrir o apetite:

Mostrou-se “há anos que a nota de matemática do 12.º ano era, dos vários parâmetros analisados, aquele que tinha melhor valor preditivo quanto ao sucesso escolar subsequente dos alunos de medicina”.

“Não resisto citar o que o [romancista] José Cardoso Pires me escreveu numa carta: ‘Por causa de três cadeiras não conclui a licenciatura em Matemáticas: hoje estou arrependido porque com certeza escreveria melhor...’ A Matemática e o Português têm, como se vê, uma insondável ligação.”

“Quanto ao fácil e ao difícil, confesso que sou, por formação e método, um partidário feroz da dificuldade, tema que tratei numa ‘oração de sapiência’ chamada ‘O elogio da dificuldade’.”

“A missão da escola não é fazer os alunos felizes, mas sim (…) dar-lhe instrumentos para a construção da sua própria felicidade, além de, como citava T.S. Eliott, fornecer-lhes os meios para ganharem honestamente a vida e equipá-los para desempenhar o seu papel como cidadãos plenos numa democracia. Para isso a escola deve desenvolver o necessário equipamento cognitivo e muscular as qualidades indispensáveis para estas tarefas, preparando-os assim para a ‘luta do mundo’. A minha tese é pois, muito simples: a escola fácil não cumpre a missão de preparar os alunos para a vida difícil.”

Vale a pena ler o resto!

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Tenho lá fora à minha espera o amor da minha vida!

Numa aula em que terminei a matéria poucos minutos antes do toque de saída, alguns alunos procuraram convencer-me a deixar a turma sair mais cedo. “Não… A menos que me convençam com boas razões – disse-lhes. - E mesmo assim será difícil!”

Então, uma das alunas levantou o braço e disse, com a convicção inabalável dos seus quinze anos: “A professora deve deixar-nos sair porque tenho lá fora à minha espera o amor da minha vida!”

Com alguma admiração perguntei-lhe: ”Como é que sabes tanto sobre o teu futuro?” Ao que ela ripostou: “Eu não sei explicar apresentando razões, mas tenho a certeza”.

É difícil pensar de modo racional sobre o amor romântico quando estamos a vivê-lo: as nossas razões são vencidas pelos sentimentos. No entanto, uma parte significativa da nossa auto-estima e satisfação com a vida depende de uma certa dose, eu diria de sorte, nesta matéria.

Para os leitores perceberem melhor o sentido das afirmações da minha aluna, experimentem a ouvir a canção “Valsinha”, escrita por Vinícius de Moraes e cantada por Chico Buarque.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Apesar do ponto de exclamação, isto é um juízo de facto e não de valor: assim não dá!

Pense-se o que se pensar sobre a avaliação dos professores e sobre o modelo de avaliação que o governo tem tentado impor (e pela minha parte concordo com a avaliação e discordo do modelo), creio que há um ponto que é absolutamente objectivo e não é uma mera questão de opinião, ou seja, trata-se de um juízo de facto e não de valor. Ei-lo:

Num ambiente destes não se consegue ensinar bem e, portanto, não se consegue aprender bem.

Escrevo isto depois de ter lido o seguinte no jornal Público: “Primeira escola a concluir avaliação vai penalizar docentes que não entregaram objectivos individuais”.

Como é que professores, castigados diante dos olhos da sociedade por terem feito uma opção política (e não por falta de empenho ou capacidade), se poderão fazer respeitar e ouvir pelos alunos?

Não haverá – no Governo, na Assembleia da República ou mesmo na Presidência da República - alguém com sensatez suficiente para pôr cobro a isto?

Usados e depois jogados fora…

Em Portugal, nos meses de Verão e na época de Natal, costuma aumentar o número de animais domésticos abandonados na rua pelos donos e o número de pessoas idosas abandonadas no Hospital pelos familiares (após uma ida às Urgências).

animal jogado fora como um brinquedo partido que já não interessa Se quiser dados mais concretos sobre essas situações clique aqui e aqui.

Em ambos os casos o motivo é o mesmo: as férias. O cão, o gato, o canário, a avó ou o avô iriam atrapalhar as férias.

“Em tempo de aulas e de trabalho, o Calipso é um cãozinho giro e levá-lo a passear até permite espairecer, mas andar com ele atrás no Algarve… Seria muito incómodo!”

“Quando o avô ainda andava bem, era uma sorte poder contar com ele (ia buscar os miúdos à escola, levava-os ao parque…), mas agora que mal se levanta do sofá só dá trabalho… Iríamos sufocar se tivéssemos de o aturar na praia!”

velho triste Há acções – como mentir para evitar um mal eventualmente pior – que podem ser consideradas moralmente certas ou moralmente erradas consoante a perspectiva ética com que forem examinadas. Contudo, isso não sucede com o abandono de animais domésticos e de pessoas idosas: seja qual for a perspectiva ética adoptada são acções que devemos considerar moralmente erradas.

Se fizermos uma abordagem utilitarista das situações, verificamos que o sofrimento provocado nos seres abandonados não é tido em conta, sendo apenas considerado o bem-estar e outros interesses de alguns dos envolvidos. É manifesto que o sofrimento provocado num cão abandonado na rua ou num idoso “esquecido” durante semanas num Hospital é muito maior que os incómodos suscitados pela conciliação das idas à praia e à discoteca com a necessidade de cuidar do cão e com as dificuldades de locomoção do idoso. E isso mostra que são acções erradas e que não devem ser feitas.

Se fizermos uma abordagem deontológica, verificamos que – nas palavras de Kant – os seres abandonados são considerados meros meios e não fins em si mesmo. Enquanto foram úteis foram queridos e apreciados, mas agora que a sua utilidade imediata desapareceu ou diminuiu são postos de lado, são – sem nenhuma consideração pelos seus próprios interesses - jogados fora como se fossem sapatos velhos ou brinquedos partidos. Como se fossem meros objectos. E isso mostra que são acções erradas e que não devem ser feitas.

[Nem a abordagem utilitarista nem a abordagem deontológica implicam que se considere que há uma equiparação moral completa entre o mal de abandonar um animal doméstico e o mal de abandonar uma pessoa idosa. Tanto uma perspectiva como outra permitem reprovar moralmente um dano provocado num animal não humano e considerar que um dano semelhante provocado num ser humano é moralmente mais grave (uma vez que este sendo racional e tendo consciência de si sofre mais, pois ao sofrimento físico acrescenta-se o sofrimento psíquico – que, mesmo que também exista nalguns animais, é, por razões neurológicas óbvias, menor que nos humanos).]

Muitas pessoas, nomeadamente alguns filósofos, consideram que os animais não humanos não têm direitos. Mas, mesmo essas pessoas, em princípio consideram errado abandonar os animais domésticos, pois embora não lhes reconheçam direitos consideram que nós temos deveres em relação a eles – nomeadamente o dever de não os deixar morrer de fome.

Esperemos por isso que este Verão haja uma diminuição e não um aumento dos números de animais domésticos e de idosos abandonados. E, já agora, que essa diminuição se deva à consciência moral e não ao facto da crise económica não permitir que muitas famílias vão de férias para fora.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Habla con ella… e connosco!


“Hable con ella”, de Pedro Almodóvar, é – entre outras coisas - a história da amizade entre dois homens.

Benigno (Javier Câmara) é um jovem enfermeiro que cuida de Alicia (Leonor Watling), um linda bailarina em estado de coma. Marco (Dário Grandinetti) é escritor e faz companhia à sua noiva Lydia (Rosário Flores), também ela em estado de coma, depois de colhida em plena arena, durante uma corrida de toiros. E…

Leia mais aqui.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Sair da menoridade

DreamingofMagritte

A imagem foi tirada deste sítio.

O Iluminismo é a saída do homem da sua menoridade de que ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de se servir do entendimento sem a orientação de outrem. Tal menoridade é por culpa própria se a sua causa não reside na falta de entendimento, mas na falta de decisão e de coragem em se servir de si mesmo sem a orientação de outrem. Sapere aude! Tem a coragem de te servires do teu próprio entendimento! Eis a palavra de ordem do Iluminismo.

A preguiça e a cobardia são as causas por que os homens em tão grande parte, após a natureza os ter há muito libertado do controlo alheio continuem, no entanto, de boa vontade menores durante toda a vida; e também porque a outros se torna tão fácil assumirem-se como seus tutores. É tão cómodo ser menor. Se eu tiver um livro que tem entendimento por mim, um director espiritual que tem em minha vez consciência moral (…) então não preciso de eu próprio me esforçar. Não me é forçoso pensar, quando posso simplesmente pagar; outros empreenderão por mim essa tarefa aborrecida.”

Kant, “Resposta à pergunta: que é o Iluminismo?” em Paz perpétua e outros opúsculos, tradução de Artur Morão, Lisboa, 1992, Edições 70. pp 11-12.

Para ler outro interessante texto de Kant, clicar aqui.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Vale a pena “folhear” o blogue Páginas de Filosofia

O título do post é literal. Vale mesmo a pena. Clique aqui para começar a folhear.

Conformismo: a diferença entre o que pensamos e o que dizemos

Descartes escreveu não sei onde (provavelmente numa carta a um amigo de confiança) estas palavras, úteis tanto na guerra como na paz:

“Não digo tudo o que penso, mas penso em tudo o que digo”.

Se as interpretarmos para além do significado mais imediato (ou seja, não se deve falar precipitadamente, deve-se ser capaz de justificar aquilo que se afirma, etc.), são palavras cautelosas. Talvez pouco corajosas.

metro cala-te Mesmo assim, fazem figura de declaração heróica quando comparadas com as palavras e as atitudes de algumas pessoas muito conformistas. Perante leis de que discordam e contra as quais têm fundamentadas objecções, não se limitam a dizer que a lei é para cumprir mesmo quando se discorda dela. Dizem também que não vale a pena discutir e protestar. No fundo, o que dizem é: devemos obedecer sem pensar.

Claro que essas pessoas estão erradas. Se toda a gente fosse assim, as leis nunca mudariam. Podemos cumprir as leis e, mesmo assim, discordar delas e promover debates e outras actividades susceptíveis de provocar a sua alteração. Ou seja: mesmo quando obedecemos devemos pensar. Fazer isso não significa que somos maus cidadãos e é defensável que constitui, pelo contrário, um dever cívico.

Pode mesmo suceder que consideremos certas leis, não apenas politicamente erradas, mas também moralmente erradas. E nesse caso existe a possibilidade de lhes desobedecermos, não por interesse pessoal, mas devido a essa discordância moral. A essa atitude chama-se “desobediência civil”. E, como é óbvio, para sabermos se se trata realmente de um caso de genuína desobediência civil, e não de interesse pessoal disfarçado, é preciso pensar e discutir o assunto com outras pessoas. (Se clicar aqui pode ler mais acerca do assunto.)

Por isso, apesar de ser social e psicologicamente impossível dizer tudo o que pensamos, é defensável considerar que o devemos fazer com muito mais frequência do que aquela que é aconselhada pelo conformismo.

Não dei propositadamente nenhum exemplo – mas devo dizer que pensei em vários, pois na sociedade portuguesa o fenómeno não é, infelizmente, raro. Se a cara leitora ou o caro leitor, conhecerem algum e quiserem dizer o que pensam… Pensem duas vezes mas não três: a caixa de comentários está à vossa inteira disposição.

A fotografia é da autoria de Rui Lebreiro e pode ser encontrada aqui.

Vem aí a Mulher Invisível!

Como se pode ler no blogue Quarks e Gluões alguns investigadores espanhóis estão a estudar o problema da invisibilidade e a tentar criar materiais invisíveis. O exemplo dado é o manto da invisibilidade de Harry Potter.

Mas eu, ao ler a notícia, deixei-me levar pela imaginação e pela nostalgia das minhas leituras juvenis das aventuras do fabuloso Quarteto Fantástico e pensei logo na Mulher Invisível!

quarteto-fantastico-mulher invisivel quarteto fantástico BD

Disjunção inclusiva: Nat King Cole ou Stan Getz

“Autumn Leaves” interpretada por Nat King Cole e por Stan Getz. Sugiro ao leitor que não escolha: ouça ambas.

Se tiver tempo clique aqui e ouça também a versão de Miles Davis e Cannonball Adderley. Uma vez que ouvir boa música não é incompatível com a realização de outras actividades, clique aqui e ouça a versão de Bill Evans.

Nota: Uma disjunção é, de acordo com a definição dada no Dicionário Escolar de Filosofia:

«Qualquer afirmação da forma "P ou Q", como "Platão, ou Sócrates, era grego". Uma disjunção é verdadeira se, e só se, pelo menos uma das proposições que a constituem for verdadeira. Isto significa que a disjunção só será falsa se ambas as proposições, P e Q, forem falsas. Mas este é apenas um dos tipos de disjunção, a que se chama inclusiva. Há também a chamada disjunção exclusiva, que se distingue da anterior pelo seguinte: é falsa caso ambas as proposições, P e Q, sejam verdadeiras; por exemplo, em muitos casos a seguinte afirmação é, infelizmente, uma disjunção exclusiva: "Estudo ou vou ao cinema".»

Questões filosóficas = crise existencial?

philosophy

Banda desenhada retirada deste sítio

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Seremos responsáveis pelo futuro?

Se o senhor Roberto agredir propositadamente o senhor Luís, é – e isto é consensual - considerado responsável pelo sucedido. O culpado pelo sofrimento do senhor Luís é o senhor Roberto!

Mas, e se o senhor Roberto e o senhor Luís viverem em épocas diferentes e o senhor Roberto fizer propositadamente algo (poluir irremediavelmente um ribeiro, por exemplo) que irá prejudicar o senhor Luís daqui a algumas décadas? Será correcto responsabilizar moralmente o senhor Roberto por esse prejuízo? Será correcto tentar impedi-lo, através dos recursos legais de um Estado de Direito, de realizar tais acções?

A nossa responsabilidade moral cinge-se apenas ao presente ou estende-se ao futuro? Caso se possa mostrar que algumas acções que realizamos no presente terão  consequências futuras muito danosas, haverá algum motivo racional para não as censurar moralmente e não tentar impedir – através da criação de leis – a sua realização?

E, se em vez das acções de um indivíduo, como o senhor Roberto, estivermos a considerar as acções de um Estado – a resposta a essas perguntas alterar-se-á?

Estas são algumas das questões que vale a pena fazer perante esta notícia do jornal Público:

«O esboço da declaração que está a ser preparada para o encontro das 17 nações do MEF (Fórum das Grandes Economias, representando 80 por cento das emissões poluentes) na cimeira do G8 em Itália, que começa hoje, deixou cair qualquer referência à meta de reduzir 50 por cento das emissões de gases com efeito de estufa (GEE) até 2050.»

Sem palavras…

 

Mstislav Rostropovich toca o prelúdio da Suite para violoncelo nº 1, de Johann Sebastian Bach.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Horas extraordinárias não remuneradas

Escrevi um post, no blogue Aula Aberta,  sobre as  condições de trabalho que são dadas actualmente aos professores. Para ler, clicar aqui.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

domingo, 5 de julho de 2009

Quem gosta de ler não regula bem da cabeça!

Há dias observei na praia de Faro um grupo de adolescentes: rapazes e raparigas, todos manifestamente amigos. Depois de umas braçadas, uma das raparigas tirou da mochila um livro e começou a lê-lo. Um dos rapazes disse-lhe admirado: “Ainda a estudar? Pensava que tinhas feito os exames todos na 1ª fase”. A rapariga sorriu e respondeu: “Não estou a estudar. É um romance, olha… chama-se ‘O Fim do Sr. Y’ e é muito interessante!” O rapaz virou-se para os outros e exclamou: “Malta, a Yolanda não está boa da cabeça! Está a ler um livro na praia e ainda por cima está a gostar!”

Nota: não sei se o livro é bom ou mau, pois não o li.

Publiquei um post igual no blogue Aula Aberta.

A voz interior

Pode-se perceber o que é o bem e ser capaz de distinguir as acções boas das más, mas optar por praticar o mal… A consciência moral (a chamada voz interior) nem sempre fala mais alto.

tintin_tibete4

As Aventuras de Tintim são clássicos da banda desenhada.

Esta página foi retirada do álbum Tintim no Tibete, que é merecidamente considerado uma das obras primas de Hergé. Vale mesmo a pena ler ou reler, em qualquer idade.

Tintin no Tibete

sábado, 4 de julho de 2009

The Blue Nile: Saturday Night

 

A canção chama-se Saturday Night, dos The Blue Nile. O nome do disco: Hats (de 1989).

No vídeo são mostrados quadros do pintor americano Edward Hopper (1882-1967).

Não conhecia os The Blue Nile. Descobri-os no 'Crítica: Blog', numa lista de bons conselhos musicais.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Como é que uma criança decide tornar-se cientista?

Espíritos curiosos

“Costumava sentar-me aos pés da cama para olhar pela janela para o pátio das traseiras. Ouvia o bairro. Mais ao longe, escutava os carros ou os camiões a passarem, e havia insectos que valia a pena ouvir, tudo a servir de banda sonora para minha solidão nocturna. Ficava a contemplar o pedaço de céu encaixado entre as árvores inclinadas para o relvado bem cuidado do vizinho. Perguntava a mim própria até onde é que conseguia ver, com que profundidade no espaço.

E todos os dias aconteciam coisas assim, e depois de centenas de dias destes receberia diplomas e trabalhos e títulos e tornar-me-ia cientista. São estas as linhas de que me lembro, as coisas que eu acho que sei. Como é que estas experiências se conjugaram para eu me tornar cientista e não música ou médica ou dona de casa? Não faço ideia.

Só sei que costumava ficar com um sentimento quase extático de orgulho ao pensar no nosso planeta belo e azul a rodopiar submissamente num mar de escuridão, num cosmos magnífico e imenso (…). Queria ver mais longe. Queria voar através da janela por entre as árvores, em direcção à cor densa do céu, e fundir-me com o que lá existisse. Noite após noite. Com a cara tão colada que embaciava o vidro da janela. Queria ver mais, saber mais, ser mais.

Quando as frustrações da ciência me desgastam, quando não suporto escrever mais uma candidatura a uma bolsa, fazer mais um cálculo detalhado, ouvir mais um seminário, ler mais um artigo cujo título é logo impenetrável (…), gostava às vezes de ter escolhido um caminho diferente. Já olhei para trás e perguntei-me como é que tinha chegado até aqui. Mas então, algum tempo depois, volta tudo ao seu lugar: continuo a ser a mesma miúda sentada sozinha em plena noite, entusiasmada só de olhar pela janela para o meu pedaço de universo, a querer saber que outras coisas existirão lá fora.”

Janna Levin, professora de Física e Astronomia na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos.

«(…) o meu avó oferecera-me um texto emoldurado de Pavlov, o “Legado à Juventude Académica da Rússia” – ou, como ficou conhecido o Último Testamento de Pavlov -, escrito pouco antes de morrer em 1936, com oitenta e sete anos. Eis a passagem que ele me destacou:

Nunca tentem encobrir uma insuficiência de conhecimento, nem que seja através da mais audaciosa suposição ou hipótese. Mesmo que essa bola de sabão delicie os vossos olhos com o seu efeito, ela acabará inevitavelmente por rebentar e só vos restará a vergonha…

Por mais perfeita que seja a asa de um pássaro, nunca conseguiria fazer o pássaro levantar voo se não pudesse contar com o ar. Os factos são o ar de um cientista. Sem eles, nunca conseguirão voar. Sem eles, as vossas “teorias” não passam de esforços inúteis.»

Nicholas Humphrey, Professor Catedrático na London School of Economics, é um psicólogo teórico, conhecido internacionalmente pelo seu trabalho sobre a evolução da inteligência e da consciência humanas.

Estes dois excertos foram retirados do livro “Espíritos curiosos”, organizado por John Brockman e publicado em Portugal pela Editora Gradiva.

Este livro reúne um conjunto de testemunhos de vários cientistas (vinte e sete) reconhecidos internacionalmente pelo seu trabalho, nas diversas áreas da ciência, que respondem a esta questão: o que leva uma criança a decidir tornar-se cientista?

Permite-nos, também, reflectir acerca de algumas questões que se colocam no âmbito da filosofia da ciência, como por exemplo:

Qual é a natureza do conhecimento científico?

Como se caracteriza a actividade dos cientistas?

Como se pode distinguir o que é ciência e o que não é ciência?

Pela diversidade de experiências e de pontos de vista apresentados, julgo que é uma boa sugestão de leitura - para as férias e não só.

Votos de boas leituras!

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Sem Deus tudo seria permitido?

«Afirma-se muitas vezes que é prejudicial atacar uma religião, porque ela torna os homens virtuosos. Confesso que não estou convencido disso. Conheceis, por certo, a paródia que Samuel Butler fez deste argumento no sue livro Erewhon Revisited.

Estais recordados de que um certo Higgs chegou a uma remota região onde passa algum tempo e depois se escapa num balão. Vinte anos depois, tendo aí regressado, ficou Albrecht Durer's Praying Hands rezar surpreendido ao deparar com um novo culto no qual ele próprio era adorado sob o nome de Filho do Sol. Recorde-se que, com efeito, subiu aos céus. Estava para breve a celebração da Festa da Ascensão, quando ouviu (…) [dois] altos dignitários da religião dos Filhos do Sol confidenciar uma ao outro que nunca tinham visto o chamado Higgs e que esperavam que jamais isso acontecesse. Cheio de indignação, aproximou-se e disse-lhes: ‘Vou esclarecer neste dia toda esta mistificação e dizer ao povo de Erewhon que eu, Higgs, sou apenas um homem como os outros e que, simplesmente, me servi de um balão para deixar o vosso país.’ Responderam-lhe: ‘Não faças isso, porque todos os princípios morais deste povo estão ligados a esse mito, e se souberem que não subiste ao céu, transformar-se-ão todos em malfeitores’. Persuadido, abandonou o país silenciosamente.»

Bertrand Russell, Porque não sou Cristão, Brasília Editora, Porto, s/d, pp. 28-29.

Os sacerdotes convenceram Higgs a não dizer a verdade argumentando que sem a fé religiosa não haveria razões suficientemente fortes para convencer as pessoas a agir moralmente: cumprir regras, respeitar os outros e os seus bens, etc. O romancista russo Fiódor Dostoiévski exprimiu essa ideia através destas célebres palavras: “Sem Deus tudo seria permitido”.

A ideia de que as pessoas não agiriam moralmente se não tivessem uma motivação religiosa presta-se a objecções óbvias, nomeadamente esta: há imensas pessoas que não têm qualquer crença religiosa e mesmo assim procuram agir moralmente. Por isso, é possível que mesmo sem Deus nem tudo fosse permitido.

Mas, mesmo que admitíssemos a necessidade de uma tal motivação religiosa, isso não seria – como sugere a história contada por Bertrand Russell – uma prova a favor da existência de Deus ou de outro ser sobrenatural qualquer. Com efeito, para se adquirir esse tipo de motivação e para que esta seja eficaz, não é necessário que Deus exista – basta que as pessoas acreditem que existe.

[Uma discussão mais detalhada destas ideias levar-nos-ia a considerar vários tópicos filosóficos, nomeadamente a teoria dos mandamentos divinos (acerca da natureza dos juízos morais) e o argumento moral a favor da existência de Deus.]

Na imagem: Betende Hände, Desenho a pincel sobre papel azul de Albrecht Dürer (1471-1528).

Tirou-me as palavras da boca!

Vale a pena lêr o post “Traímos várias gerações de crianças” de Helena Damião, no blogue De Rerum Natura. Nele são citadas estas palavras de Susan Hill, que apesar de não terem sido escritas a pensar em Portugal se aplicam que nem uma luva:

“Em muitos aspectos, traímos várias gerações de crianças - demos prioridade ao ensino por competências, em detrimento dos conhecimentos, fizemos exames mais fáceis em nome de uma falsa igualdade social, permitimos que elas fizessem as suas escolhas morais no contexto confuso do politicamente correcto, enfatizámos a importância do computador, como se ele fosse mais do que uma ferramenta útil, e supusemos que a internet era mais rica do que os livros em conteúdos.”