“Costumava sentar-me aos pés da cama para olhar pela janela para o pátio das traseiras. Ouvia o bairro. Mais ao longe, escutava os carros ou os camiões a passarem, e havia insectos que valia a pena ouvir, tudo a servir de banda sonora para minha solidão nocturna. Ficava a contemplar o pedaço de céu encaixado entre as árvores inclinadas para o relvado bem cuidado do vizinho. Perguntava a mim própria até onde é que conseguia ver, com que profundidade no espaço.
E todos os dias aconteciam coisas assim, e depois de centenas de dias destes receberia diplomas e trabalhos e títulos e tornar-me-ia cientista. São estas as linhas de que me lembro, as coisas que eu acho que sei. Como é que estas experiências se conjugaram para eu me tornar cientista e não música ou médica ou dona de casa? Não faço ideia.
Só sei que costumava ficar com um sentimento quase extático de orgulho ao pensar no nosso planeta belo e azul a rodopiar submissamente num mar de escuridão, num cosmos magnífico e imenso (…). Queria ver mais longe. Queria voar através da janela por entre as árvores, em direcção à cor densa do céu, e fundir-me com o que lá existisse. Noite após noite. Com a cara tão colada que embaciava o vidro da janela. Queria ver mais, saber mais, ser mais.
Quando as frustrações da ciência me desgastam, quando não suporto escrever mais uma candidatura a uma bolsa, fazer mais um cálculo detalhado, ouvir mais um seminário, ler mais um artigo cujo título é logo impenetrável (…), gostava às vezes de ter escolhido um caminho diferente. Já olhei para trás e perguntei-me como é que tinha chegado até aqui. Mas então, algum tempo depois, volta tudo ao seu lugar: continuo a ser a mesma miúda sentada sozinha em plena noite, entusiasmada só de olhar pela janela para o meu pedaço de universo, a querer saber que outras coisas existirão lá fora.”
Janna Levin, professora de Física e Astronomia na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos.
«(…) o meu avó oferecera-me um texto emoldurado de Pavlov, o “Legado à Juventude Académica da Rússia” – ou, como ficou conhecido o Último Testamento de Pavlov -, escrito pouco antes de morrer em 1936, com oitenta e sete anos. Eis a passagem que ele me destacou:
Nunca tentem encobrir uma insuficiência de conhecimento, nem que seja através da mais audaciosa suposição ou hipótese. Mesmo que essa bola de sabão delicie os vossos olhos com o seu efeito, ela acabará inevitavelmente por rebentar e só vos restará a vergonha…
Por mais perfeita que seja a asa de um pássaro, nunca conseguiria fazer o pássaro levantar voo se não pudesse contar com o ar. Os factos são o ar de um cientista. Sem eles, nunca conseguirão voar. Sem eles, as vossas “teorias” não passam de esforços inúteis.»
Nicholas Humphrey, Professor Catedrático na London School of Economics, é um psicólogo teórico, conhecido internacionalmente pelo seu trabalho sobre a evolução da inteligência e da consciência humanas.
Estes dois excertos foram retirados do livro “Espíritos curiosos”, organizado por John Brockman e publicado em Portugal pela Editora Gradiva.
Este livro reúne um conjunto de testemunhos de vários cientistas (vinte e sete) reconhecidos internacionalmente pelo seu trabalho, nas diversas áreas da ciência, que respondem a esta questão: o que leva uma criança a decidir tornar-se cientista?
Permite-nos, também, reflectir acerca de algumas questões que se colocam no âmbito da filosofia da ciência, como por exemplo:
Qual é a natureza do conhecimento científico?
Como se caracteriza a actividade dos cientistas?
Como se pode distinguir o que é ciência e o que não é ciência?
Pela diversidade de experiências e de pontos de vista apresentados, julgo que é uma boa sugestão de leitura - para as férias e não só.
Votos de boas leituras!