A dança está em todo o lado…
Pina Bausch (1940 -2009) era uma bailarina e coreógrafa alemã.
“As nossas crenças mais justificadas não têm qualquer outra garantia sobre a qual assentar, senão um convite permanente ao mundo inteiro para provar que carecem de fundamento.” John Stuart Mill
“Um avião das linhas aéreas iemenitas despenhou-se esta madrugada, com 153 pessoas a bordo, tendo caído no Oceano Índico”. (Notícia do jornal Público, do dia 30-06-2009.) Horas depois do sucedido foi confirmado que apenas uma pessoa (uma rapariga de 14 anos) sobreviveu.
Depois duma catástrofe deste género ocorrer é habitual as pessoas religiosas rezarem e pedirem a intervenção de Deus: para que haja sobreviventes, para que não volte a suceder, etc.
Todavia, talvez fizesse mais sentido questionarem a sua crença em Deus.
Segundo o cristianismo, o judaísmo e o islamismo, Deus, além de ser o criador de tudo o que existe, é um ser omnisciente, omnipotente e bom. (Essa concepção é habitualmente chamada teísmo).
Contudo, essas características que se atribuí a Deus parecem ser incompatíveis com a existência de mal no mundo – como é o caso da morte de várias dezenas de pessoas inocentes devido à queda de um avião.
Se Deus é omnisciente sabe que o mal vai ocorrer.
Se Deus é omnipotente pode impedir o mal de ocorrer.
Se Deus é bom não quer que o mal ocorra.
Ora, o mal efectivamente ocorre, pelo que Deus ou é omnipotente mas não é bom (pode impedir o mal mas não impede) ou é bom mas não é omnipotente (quer impedir o mal mas não pode).
A conclusão que se tira habitualmente dessas premissas é: Deus não existe.
Todavia, é argumentável que essa conclusão não é apoiada pelas premissas e que estas apenas apoiam uma conclusão mais modesta: mesmo que eventualmente Deus exista, este será um ser diferente da descrição feita pelas religiões teístas. Pode suceder que seja um ser poderoso mas não omnipotente, ou então pode tratar-se de um ser omnipotente mas malévolo ou pelo menos indiferente. Não é impossível também que ambas as alternativas sejam verdadeiras e Deus não seja nem omnipotente nem bom.
O problema colocado por esse argumento é conhecido como o problema do mal. Atribui-se a sua primeira formulação ao filósofo grego Epicuro (341-270 a. C.):
“Ou Deus quer impedir o mal e não pode, ou pode mas não quer. Se quer mas não pode, é impotente. Se pode, mas não quer, é malévolo. Mas se Deus pode e quer, de onde vem então o mal?”
Os teólogos e os filósofos crentes ensaiaram muitas tentativas para refutar esse argumento e mostrar que a existência de mal no mundo não é incompatível com a omnipotência e bondade divinas. Os seus contra-argumentos foram por sua vez discutidos e criticados por outros filósofos. No site Filosofia & Educação encontra uma exposição (do filósofo Nigel Warburton) muito clara desses contra-argumentos e das objecções a que se prestam.
(A citação de Epicuro foi retirada do livro: A Arte de Pensar – Filosofia, 10º ano, volume 2, de Aires Almeida e outros, Didáctica Editora, Lisboa, 2007, pág. 147.)
Segundo o jornal Publico, “Bernard Madoff foi hoje [29-06-2009] condenado a 150 anos de prisão por um tribunal de Manhattan por ter cometido a maior fraude financeira da história”.
Em Portugal, a pena de prisão máxima não pode ultrapassar 25 anos. Mesmo que a pessoa seja condenada, em vários julgamentos, a penas que, somadas, ultrapassam os 25 anos, ela não poderá cumprir mais do que 25 anos – devido à lei conhecida como “cúmulo jurídico”. A soma das penas poderá ser, por exemplo, 150 anos, mas ao fim de 25 anos essa pessoa sairá em liberdade - por muito horroroso que seja o crime, ou os crimes, que cometeu.
Por isso, em Portugal Bernard Madoff não seria condenado a 150 anos de prisão – independentemente de ter cometido 150 fraudes ou ter morto 150 pessoas.
Os filósofos discutem se os castigos devem ter como finalidade a retribuição do mal feito, a dissuasão de futuros crimes ou a reabilitação do criminoso. Alguns filósofos admitem que todas essas finalidades são admissíveis (no caso dos filósofos que defendem a pena de morte, a terceira finalidade não deve ser, como é óbvio, considerada).
Tenho observado, em muitas aulas de Filosofia mas também em diversas situações da vida quotidiana (cafés, conversas familiares ou em espaços públicos, etc.), que essas discussões filosóficas interessam profundamente aos cidadãos portugueses das mais diversas idades.
Contudo, muito maior que o seu interesse pela natureza do castigo é a sua preocupação com a sua dimensão exígua: quase todos consideram que as penas de prisão em Portugal são demasiado leves.
Avaliar se têm ou não razão implica considerar dados empíricos (jurídicos, sociológicos, psicológicos, etc.) que extravasam em muito a Filosofia. Mas não há dúvida que uma preocupação tão maioritária e tão intensa é social e politicamente muito relevante.
Relativamente a este assunto dê também uma vista de olhos aqui.
«Talvez chegue o dia em que a restante criação animal venha a adquirir os direitos de que só puderam ser privados pela mão da tirania. Os Franceses já descobriram que o negro da pele não é razão para um ser humano ser abandonado sem remédio aos caprichos de um torcionário. É possível que um dia se reconheça que o número de pernas, a vilosidade da pele ou a terminação do os sacrum [a cauda no caso de muitos animais não humanos] são razões insuficientes para abandonar um ser sensível ao mesmo destino. Que outra coisa poderia traçar uma linha insuperável? Será a faculdade da razão ou, talvez, a faculdade do discurso? Mas um cavalo adulto é, para além de toda a comparação, um animal mais racional, assim como mais sociável que um recém-nascido de um dia, de uma semana ou mesmo de um mês. Mas suponhamos que não era assim; de que serviria? A questão não está em saber se eles podem pensar ou falar, mas sim se podem sofrer.»
Jeremy Bentham, citado por: Peter Singer, Ética Prática, Gradiva, Lisboa, 2000, pág. 77.
Quando se fala de Ética normalmente pensa-se nos seres humanos. Mas será que só nós é que somos dignos de respeito e de consideração ética? Haverá razões para excluir os animais não humanos dessa consideração?
O filósofo inglês Jeremy Bentham (1748- 1832) respondeu que não a essas questões, argumentando que o factor decisivo para um determinado ser merecer respeito e consideração ética é o facto de ser senciente, ou seja, poder sofrer. Na sua opinião, a racionalidade não é uma condição necessária. Terá razão?
A lista de argumentos e contra-argumentos é longa. Seja como for, é uma discussão que poderá influenciar a ementa do seu jantar, caro leitor.
Circula na Net uma petição para a criação em Portugal do Partido pelos Animais.
“Um partido político no qual os principais beneficiados não pensam, não falam e, muito menos, votam. Estranho? Não para os fundadores do Partido pelos Animais, aspirantes a uma cadeira no Parlamento português.”
Esta notícia do jornal Público descreve uma tentativa séria para defender os direitos dos animais e alterar a respectiva legislação portuguesa ou será apenas uma manifestação precoce da “silly season”? Activismo responsável ou folclore?
Seja como for, os direitos dos animais são um problema filosófico muito sério e actual, como se pode constatar lendo este e este artigo, na revista Crítica. São menos mediáticos que um partido político, mas muito mais claros e persuasivos.
«O homem livre em nada pensa menos que na morte, e a sua sabedoria não é uma meditação da morte, mas da vida.»
Espinosa, Ética, IV, LXVII.
Membros das sociedades espanhola e francesa de Matemática ouvidos pelo jornal Expresso consideraram os exames de Matemática que têm sido feitos em Portugal “fáceis ou muito fáceis”.
Leia mais no blogue A Educação do Meu Umbigo, onde entre outros dados poderá encontrar o quadro a seguir apresentado.
Este quadro mostra claramente quando é que esse facilitismo começou. O caro leitor faça o favor de comparar esses dados com o discurso do governo. Que conclusão tira?
Para ajudar a justificar a conclusão referida talvez seja útil o leitor reflectir acerca destas palavras de David Hume:
“nenhum testemunho é suficiente para demonstrar um milagre, a não ser que o testemunho seja de natureza tal que a sua falsidade seja mais milagrosa do que o facto que tenta demonstrar”. Ou seja: perante um pretenso milagre só deveremos acreditar nele se as explicações alternativas forem ainda mais inacreditáveis (mais “milagrosas”) que o próprio milagre.
Como se pode ler no jornal Público do dia 26-06-2009, «a ministra da Educação admite que as quotas para as classificações de mérito atribuídas a docentes, que a tutela sempre disse serem fundamentais para garantir a diferenciação entre professores, podem afinal deixar de existir a prazo.»
Leia a notícia toda para confirmar o que provavelmente já sabe: a ministra e os seus secretários de estado disseram sempre que as quotas eram imprescindíveis, que sem estas não poderia haver rigor na avaliação dos professores; e alegaram, supostamente em sua defesa, que o mesmo se passa nas empresas (omitindo as diferenças que obviamente existem entre uma empresa e uma escola, seja esta pública ou privada).
Aparentemente, a razão para essa mudança de opinião é o facto de um estudo ter revelado que há outros países europeus em que existe avaliação dos professores mas não existem quotas. Mas seria necessário um estudo, uma investigação científica, para mostrar uma banalidade dessas? A ministra e os seus secretários de estado são profundamente incompetentes, mas essa incompetência (que de resto não seria desculpa) não chega para explicar o desconhecimento de um facto tão simples. Por isso, a posição actual do governo sobre este assunto é constitui um recuo cobarde e não assumido - uma mentira, portanto.
Já que estamos a falar do Ministério da Educação, será isso educativo?
Para o leitor ter termos de comparação considere estes dois factos:
1. Os professores (na sua maioria) elaboram planificações e critérios de avaliação que, nas primeiras aulas, comunicam aos alunos; se ao leccionarem as aulas e avaliarem os alunos não cumprirem essas planificações e critérios podem ser responsabilizados pelos órgãos responsáveis da escola e pelos alunos e seus Encarregados de Educação – que podem, por exemplo, pedir recurso da classificação atribuída.
2. Alguns professores (infelizmente apenas uma minoria), além do que já foi referido, entregam aos seus alunos matrizes dos testes, para que os alunos estudem de uma maneira orientada e eficaz e para que o processo avaliativo seja transparente (a esse respeito consulte neste blogue esta e esta etiquetas).
Ou seja: a prática corrente entre a maioria dos professores é, previamente, darem a conhecer aos alunos as regras do “jogo”. Quando não o fazem são muitas vezes – e justamente! – censurados.
Fazemos essa afirmação na nossa qualidade de professores, mas também de pais e de cidadãos!
O que o governo fez com a avaliação dos professores (uma reforma indispensável, nisso o governo tem razão!) foi, desde o início, exactamente o contrário. O governo foi mudando as regras do “jogo” quando este já estava a ser “jogado” - ao sabor das precipitações e erros que cometeu, de acordo com tácticas políticas e negociações, pressionado pelo descontentamento dos professores e pela crescente evidência pública da inadequação do modelo de avaliação.
Quando um professor avalia os seus alunos desse modo arbitrário sujeita-se a um - merecido! – processo disciplinar. Numa democracia o processo disciplinar dos governos são as eleições. Soube-se hoje (27-06-2009) que o "processo disciplinar" deste governo está marcado para para o próximo dia 27 de Setembro.
Epidauro, um anfiteatro grego, construído na Grécia Antiga.
Hoje vive-se um ambiente, na política em geral e na educação em particular, que não é, utilizando palavras suaves, intelectualmente estimulante. Aproveitar para reler alguns textos clássicos (como a Antígona de Sófocles, por exemplo) pode-nos ajudar a fazer face às constantes tentativas – levadas a cabo pelo Governo, nomeadamente pelo Ministério da Educação - de ficcionar a realidade, pois permite-nos distinguir o que é essencial.
Muitas polémicas políticas que enchem os jornais e os blogues são manobras de diversão, fazem parte de estratégias eleitorais que visam distrair os eleitores do que verdadeiramente importa: a análise dos resultados efectivos das políticas implementadas durante esta legislatura.
Se pensamos no balanço que pode ser feito ao nível da educação, nomeadamente a aplicação do modelo simplex na avaliação do desempenho docente, os resultados obtidos são confrangedores.
Quando o Conselho Científico para a avaliação dos professores emite conclusões (ver aqui e aqui) que põem em causa a imparcialidade e a justeza do processo em curso. Quando o Primeiro Ministro, numa tardia auto-crítica, reconhece publicamente alguns dos problemas verificados na aplicação deste modelo de avaliação (ver aqui). É caso para perguntar: resta o quê deste modelo de avaliação?
A sua aplicação contribui para uma melhoria da qualidade do ensino e da aprendizagem? Se não contribui, como se justifica que ainda se mantenha em vigor?
Vamos todos continuar caladinhos a fazer de conta que vivemos no melhor sistema educativo possível, onde os alunos, a avaliar pelos resultados das provas realizadas a nível nacional, aprendem muito e muito bem?
Para descrever a actual situação na educação (e, infelizmente, noutros sectores da sociedade portuguesa) talvez possam usar-se as sábias palavras que Tirésias, o adivinho, dirige a Creonte para o dissuadir de matar Antígona:
“Reflecte pois nisto meu filho. Errar é comum a todos os homens. Mas quando errou, não é imprudente nem desgraçado aquele que, depois de ter caído no mal, lhe dá remédio e não permanece obstinado. A teimosia merece o nome de estupidez.”
Sófocles, Antígona, traduzido do grego por Maria Helena da Rocha Pereira, Edição Fundação Calouste Gulbenkian, 8ª Edição, Lisboa 2008, pp. 97.
“Tendes ouvido dizer: olho por olho e dente por dente. Eu porém digo-vos que não resistais ao que vos fizer mal; mas se alguém te ferir na tua face direita, oferece-lhe também a outra.”
Na célebre conferência intitulada “Porque não sou Cristão”, o filósofo inglês Bertrand Russell, depois de citar essas palavras de Cristo (Evangelho Segundo São Mateus, V, 38 e 39), duvidou que esse seja “um princípio a que os cristãos se submetam verdadeiramente”. E, à laia de confirmação, acrescentou:
“Não duvido que o actual [1927] Primeiro-Ministro [Stanley Baldwin], por exemplo, seja um cristão muito sincero, mas não aconselho nenhum dos presentes a dar-lhe uma bofetada. Estou certo que descobriria que ele apenas atribui a esse texto um significado simbólico.”
Bertrand Russell, Porque não sou Cristão, Brasília Editora, Porto, s/d, pág. 23.
“FAZ PORTUGAL MELHOR!» é um concurso dirigido aos alunos do 3º ciclo e do ensino secundário e decorrerá no ano lectivo 2009-2010.
Pretende-se que os alunos desenvolvam «projectos sobre a realidade que os rodeia, identificando problemas, propondo soluções e promovendo mudanças».
O concurso é organizado pelo jornal Ciência Hoje e pela Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica, Ciência Viva e comissariado pela professora Manuela Matos Monteiro.
Mais informações aqui.
Don Tapscott, o especialista canadiano em tecnologia que - segundo o jornal Público - apontou Portugal como um exemplo a seguir na educação, devido à excelência dos programas e dos manuais escolares, ao rigor e à exigência com que são elaborados os exames nacionais e, ainda, aos bons resultados que os alunos portugueses costumam obter nos testes do PISA…
Oops, enganei-me! Na verdade, Don Tapscott elogiou a política educativa portuguesa devido à proliferação do Magalhães no 1º Ciclo. E a pergunta que eu ia fazer é esta: Don Tapscott não perceberá muito mais de tecnologia do que de educação?
A esse respeito, vale a pena ler a irónica opinião de Rui Barqueiro, no blogue Átomo e Meio.
E também as sábias palavras do sociólogo António Barreto a respeito do Magalhães (no jornal Público de 30 de Novembro de 2008 e no blogue Jacarandá):
«O GOVERNO CONTINUA a distribuir Magalhães, na convicção, fingida ou não, de que com tal gesto está a estimular a alfabetização, a cultura, a curiosidade intelectual, o espírito profissional, a capacidade científica e a criatividade nacional. Será que nas áreas do governo e do partido não há ninguém que explique que isso não acontece assim?
Segundo a OCDE, o abandono escolar na União Europeia foi, em 2007, de cerca de 15 por cento. Portugal, com 36,3 por cento, tem a taxa mais alta. Mais de um terço da população entre 18 e 24 anos não completou a escola e não frequenta cursos de formação profissional. Só 13 por cento da população activa adulta completou o ensino secundário e perto de 57 por cento apenas terminaram o primeiro ciclo do básico.
Ainda segundo a OCDE e um estudo de Susana Jesus Santos (do banco BPI), a distribuição dos tempos de aulas nas escolas, para alunos de 9 a 11 anos, mostra como a juventude portuguesa está orientada. Em Portugal, a leitura (e o português) ocupa 11 por cento do tempo de aulas. Na União Europeia, 25. Em Portugal, a Matemática ocupa 12 por cento. Na União Europeia, 17.
Que é que o Magalhães tem a ver com isto? Nada. Absolutamente nada!»
«O especialista canadiano em tecnologia Don Tapscott aponta Portugal como um exemplo a seguir na educação, elogiando o investimento em computadores individuais nas salas de aulas. Num artigo de opinião publicado no blogue Huffington Post - onde já escreveu Barack Obama -, Tapscott dirige-se directamente ao presidente dos Estados Unidos da América: ‘Quer resolver os problemas das escolas? Olhe para Portugal!’.»
O especialista referido nesta notícia do jornal Público refere-se – sim, adivinhou - ao Magalhães. Clique para ler mais.
Quando alguém propõe discutir publicamente assuntos como o casamento dos homossexuais ou a eutanásia, e se coloca a possibilidade de alterar a legislação existente a seu respeito, há sempre pessoas que, em vez de argumentarem a favor ou contra, procuram fugir à questão, alegando que há assuntos mais urgentes para nos preocuparmos. Claro que, se lhes dermos ouvidos, o casamento dos homossexuais ou a eutanásia nunca serão publicamente debatidos e as leis jamais mudarão.
Um argumento que por vezes se utiliza contra o estudo da Filosofia é o facto da vida humana ser demasiado curta para discutir assuntos supostamente tão abstractos como a justiça, a liberdade ou a beleza – sobretudo quando existem problemas mais imediatos e prementes como a crise económica e a guerra do Iraque, para não falar no penalti escandalosamente roubado pelo árbitro no domingo passado.
Tendo em conta que na sociedade portuguesa muitas pessoas atribuem pouco valor à escola e ao conhecimento, a situação retratada no cartoon não é tão irreal como pode parecer à primeira vista.
Cartoon encontrado no blogue Quarks e Gluões.
O concerto será no 1 de Julho, pelas 18h00, no Anfiteatro ao Ar Livre da Fundação Calouste Gulbenkian em Lisboa. Entrada Livre.
Informação recebida da Fundação Calouste Gulbenkian:
«Inspiradas no modelo do Programa das Orquestras Sinfónicas Infantis e Juvenis da Venezuela, de que a Orquestra Simón Bolívar é o expoente máximo, as Orquestras Geração são um exemplo da utilização do ensino da música como meio para favorecer a inclusão social.
A orquestra inicial, criada em 2007 no âmbito de um projecto social mais alargado no Casal da Boba (Amadora), tem vindo a integrar novos agrupamentos. Em Vialonga (Vila Franca de Xira) e no Bairro da Mira (Amadora) estão em formação mais duas orquestras, abrangendo mais de 190 crianças no total. É este conjunto de jovens que se apresenta agora a público. São alunos do 5º ao 7º ano de escolaridade, na sua maioria, que desta forma aprendem a expressar-se através da música e a desenvolver a auto-confiança e o conhecimento necessários a um crescimento equilibrado, esperançoso, afastado da exclusão e da marginalidade.
No ano lectivo 2009/2010 está previsto o lançamento de mais seis orquestras juvenis na Área Metropolitana de Lisboa (Sintra, Sesimbra, Barreiro, Loures e Oeiras) incluindo outra na Amadora, desta feita, no Bairro do Zambujal.
Sob coordenação pedagógica da Escola de Música do Conservatório Nacional, actualmente as Orquestras Geração são patrocinadas pelas Câmaras Municipais da Amadora e de Vila Franca de Xira, as Fundações Calouste Gulbenkian e EDP, a Iniciativa Comunitária EQUAL e as empresas Central de Cervejas e Dolce Vita – Chamartin.»
«As pessoas ponderadas afirmam que o amor romântico [que se distingue do amor pelos filhos, pelos pais, pelos amigos...] não é um bom meio para conhecer alguém – pela razão apontada por Stendhal, de que envolvemos o objecto do amor em camadas de cristal e observamos uma visão, ao invés da pessoa, durante todo o tempo que dura o arrebatamento. Nesta perspectiva, trata-se de um estado delirante e o facto de ser [muitas vezes] breve é, portanto, positivo.
Outras pessoas pensam que o amor romântico é a única coisa que nos permite atravessar as camadas que isolam convencionalmente os indivíduos uns dos outros, desnudando a alma a outrem e possibilitando a verdadeira comunicação – aquela que fala a linguagem da intimidade, não através de palavras, mas de prazeres e desejos.
A. C. Grayling, O significado das coisas, Lisboa, 2002, Edições Gradiva, pp. 99-101.
Eis outra (e filosoficamente mais relevante) questão a propósito do “amor romântico” (mais conhecido por amor): será que este contribui para diminuir, ou mesmo anular, o livre-arbítrio? Fica para outro post, também acompanhado por uma canção de Frank Sinatra.
No blogue Átomo e Meio pode ler dois excelentes posts que mostram algumas das razões pelas quais se pode afirmar que existe facilitismo nos exames nacionais de Matemática e de Física e Química:
Algumas considerações sobre o facilitismo dos exames nacionais – parte 1 (os formulários).
Algumas considerações sobre o facilitismo dos exames nacionais – parte 2 (as calculadoras gráficas).
Que razões levarão os nossos governantes a promover uma fraude destas?
Retirado do blogue (brasileiro) RESOLvest, dedicado à matemática. Clique para ler mais.
«Uma pesquisa produzida por cientistas da área de medicina da Universidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos, concluiu que dormir é o melhor caminho para ir bem em provas.
Eles observaram o sono e os hábitos de dormir de 56 jovens (34 mulheres e 22 homens), com idade entre 14 e 18 anos. Depois de alguns meses, os cientistas descobriram que os jovens do grupo que dormem bastante, num sono profundo e sem interrupções, tiram notas mais altas. Principalmente nas matérias de exatas, como a matemática.
Eles observaram ainda que os jovens que dormem pouco aos finais de semana, por causa das baladas ou do videogame, comprometem o desempenho nas provas, mesmo sendo alunos estudiosos, inteligentes e dedicados».
Tendo em conta que amanhã há exames nacionais de Matemática e de História…
O editorial de José Manuel Fernandes no jornal Público de hoje (22 de Junho de 2009) explica como se prepara o “sucesso fácil” na educação – e como esta se transforma em deseducação!
O facilitismo que tem caracterizado os exames deste ano (e alguns do ano passado) prejudica a médio e longo prazo os alunos que agora os fazem com uma perna às costas, pois engana-os acerca das suas capacidades e conhecimentos.
Mas prejudica também o sistema de ensino em geral, pois desacredita o instrumento de avaliação (dos alunos e das próprias escolas) mais importante que temos.
Clique aqui para ler o texto de José Manuel Fernandes.
Cartoon da autoria de Quino.
“Tal como as crianças tremem e receiam tudo na escuridão profunda, também nós por vezes receamos na luz o que não há mais razão para recearmos do que as coisas que aterrorizam as crianças no escuro…”
Lucrécio (séc. I a.C), Acerca da natureza das coisas
(citado por Carl Sagan em Um mundo infestado de demónios, Edições Gradiva, pp.109).
Um bom antídoto contra o medo resultante do desconhecido - qualquer que seja a sua natureza - é a procura de uma explicação racional.
A compreensão é a melhor forma de afastar o temor e, também, diminuir a nossa vulnerabilidade em relação àqueles que pretendem convencer-nos com as suas certezas, digam elas respeito ao senso comum, à religião, à política, à filosofia….
“A doença torna a saúde agradável e boa, como a fome a saciedade, e o trabalho o descanso.”
“Não saberiam o nome da justiça, se não fora a injustiça.”
Heraclito
Fragmentos Diels 111 e 23, retirados de: Hélade – Antologia da Cultura Grega, 5ª edição, organizada e traduzida do original por Maria Helena da Rocha Pereira, Coimbra, 1990, pág. 125.
(O link no título remete para uma edição mais recente, das Edições Asa.)
«O segredo de um demagogo é parecer tão burro como os que o escutam, de maneira que essas pessoas se possam considerar tão espertas como ele.»
Karl Kraus (jornalista e escritor austríaco, 1874-1936), citado por Rebecca Goldstein, Incompletude – A demonstração e o paradoxo de Kurt Gödel, Gradiva, Lisboa, 2009, pág.75.
Aposto que a cara leitora, ou o caro leitor, por muito que se esforce não conseguirá lembrar-se de ninguém que, na sociedade portuguesa actual, conheça o ‘segredo do demagogo’: é em vão que percorrerá a política nacional, a política regional e local, as empresas de construção civil, as escolas, o honesto mundo do futebol ou a comunicação social… Por muito que procure não encontrará ninguém a quem possa chamar ‘demagogo’!
Alguns autores defendem que o papel da religião na vida humana é muito positivo, pois esta constitui um apoio psicológico fundamental para as pessoas, nomeadamente devido ao consolo que proporciona perante a morte.
Ao comentar essa ideia, Richard Dawkins (A Desilusão de Deus, Casa das Letras, 2007, pp.30-31) observa que «é assombroso o número de pessoas incapazes de compreender que ‘X é reconfortante’ não implica dizer que ‘X é verdadeiro’» e que «a eventual carga de consolo de uma determinada crença não faz subir o respectivo valor em termos de verdade».
Pode-se fazer o mesmo raciocínio relativamente a outras coisas apreciadas devido à sua utilidade: o facto de K ser fácil não implica que K seja verdadeiro; o facto de W dar prazer não implica que W seja verdadeiro; o facto de Z ser oportuno politicamente não implica que Z seja verdadeiro; etc.
(Por outro lado, o facto de Y me aborrecer não implica que Y seja falso.)
Uma crença útil (porque consola, porque favorece interesses políticos ou pessoais, etc.) mas falsa, terá uma utilidade duradoura ou apenas imediata? Essa utilidade será genuína ou meramente aparente?
Dedico este post à minha colega, professora Luísa Madeira
“Analisemos agora a amizade. De facto, trata-se de uma certa excelência, ou algo de estreitamente ligado à excelência; além disso, é do que mais necessário há para a vida. Pois ninguém há-de querer viver sem amigos, mesmo tendo em conta os restantes bens. E até os ricos, os que têm posição e poder, têm uma necessidade extrema de amigos (…).
Contudo, uma amizade que tem como fim em vista o que cada um é em si próprio existe apenas entre homens de bem, porque os ordinários não podem sentir prazer nenhum uns com os outros, a não ser que possam obter uma qualquer vantagem. E só a amizade entre os bons é capaz de resistir à calúnia. Na verdade, não é fácil acreditar no que se diz sobre um amigo que foi posto à prova por nós próprios durante longo tempo. Na amizade entre boas pessoas há confiança mútua (…).
Agora, parece que não é possível ser-se amigo de muitas pessoas, pelo menos no sentido pleno da amizade, do mesmo modo que não é possível amar ao mesmo tempo muitas pessoas (tal parece que, na verdade seria excessivo; e o amor costuma nascer naturalmente em relação a uma única pessoa), porque não é possível agradar de modo totalmente satisfatório a muitos ao mesmo tempo, nem eventualmente até para as pessoas de bem. Por outro lado, para se criar uma amizade tem de se ter experiência conjunta de dificuldades e ganhar confiança mútua, o que é muito difícil (…).”
Aristóteles, Ética a Nicómaco, tradução do grego de António C. Caeiro,Quetzal Editores, Lisboa, 2004, pp. 180, 185 e 188.
As características referidas por Aristóteles (384-322 a.C.) continuarão a fazer parte daquilo que chamamos amizade? Haverá outras?
O desenvolvimento tecnológico e a consequente facilidade de comunicação (entre outros aspectos da vida actual, nomeadamente a igualdade de direitos entre homens e mulheres) terão transformado de tal modo as relações entre as pessoas que a amizade já não é o que era na época de Aristóteles?
«E, de repente, alguém obcecado pela mania dos segundos sentidos, pega em Heródoto. Quantas pistas lá encontrará! São nove livros que compõem Histórias e cada um deles está cheio de segundos sentidos. Por exemplo, casualmente abre o livro V e lê que em Corinto, depois de trinta anos de governo sanguinário, morreu o tirano chamado Cípselos, que foi substituído pelo filho Periandros, este ainda mais cruel que o pai. Periandros, sendo ainda um ditador novato, queria saber qual a melhor forma de ficar com o poder e mandou um mensageiro a Trasíbulos, ditador de Mileto, perguntando o que era preciso fazer para amedrontar as pessoas como escravos subjugados.
Trasíbulos, escreve Heródoto, levou o arauto de Periandros para fora da cidade e entrou na sua companhia num campo cultivado; percorrendo um trigal, ele interrogava repetidamente o arauto a respeito da sua vinda de Corinto, e ao mesmo tempo cortava todas as espigas que aos seus olhos pareciam ultrapassar as outras em altura; uma vez cortadas essas espigas Trasíbulos jogava-as ao chão, até que, agindo dessa maneira, havia destruído as espigas mais belas e mais carregadas de grão entre todas as existentes na seara. Percorrido o campo, e sem dar uma palavra sequer de conselho Trasíbulos mandou o arauto embora. Quando este regressou a Corinto Periandros procurou saber ansiosamente saber qual tinha sido o conselho tão esperado. O arauto respondeu que Trasíbulos não lhe havia dado conselho algum; ele manifestou estranheza pelo facto de Periandros tê-lo mandado procurar um homem como aquele, desequilibrado e destruidor das suas próprias coisas, e em seguida relatou o que vira Trasíbulos fazer. Periandros compreendeu o sentido desse procedimento, e percebeu que o conselho de Trasíbulos era mandar matar todos os cidadãos que sobressaíssem entre os outros; e desde então ele mostrou toda a espécie de malignidade em relação aos Coríntios. Tudo o que Cípselos havia deixado inacabado em matéria de assassínio e banimento Periandros terminou.»
Ryszard Kapuscinski, Andanças com Heródoto, Editora Campo das Letras, Porto, 2007, pp 11-12.
Esta manhã vi um rapaz na praia que, enquanto ia dando uns toques na bola, repetia: “terça-feira começam os exames, mas eu não estou nervoso!” Depois de repetir a frase cinco ou seis vezes, chutou a bola para o mar e deixou-se cair na areia, dizendo desanimado: “ok, estou nervoso!”
Li não sei onde que (segundo a generalidade dos psicólogos) o excesso de ansiedade é prejudicial, pois faz com que a pessoa “bloqueie” e não consiga mostrar aquilo que sabe, mas que alguma ansiedade é benéfica, pois estimula a atenção e a concentração.
Espero que os estudantes portugueses, nomeadamente os que foram meus alunos, que vão fazer os exames nacionais, sintam apenas níveis moderados de ansiedade e que consigam mostrar aquilo que sabem.
Aproveito para lamentar que em Portugal não exista exame nacional em muitas disciplinas, nomeadamente em Filosofia.
Boa sorte para todos e votos de bom trabalho! E boas férias, claro!
Publiquei um post semelhante no blogue Caderno de Sociologia.
«O matemático obtém o rigor e a certeza a priori, significando isto que não recorre a qualquer observação para chegar às suas conclusões matemáticas (*), nem estas conclusões, em si e por si mesmas, implicam observações, pelo que nada que experimentemos pode abalar os fundamentos que possuímos para as conhecer. Não há qualquer experiência que possa desmentir, por exemplo, que 5+7=12. Se adicionássemos 5 coisas a outras 7 e chegássemos a um resultado de 13, contaríamos de novo. Se, após termos repetido a soma, obtivéssemos 13 coisas, concluiríamos que uma das 12 se dividira em duas ou que estávamos a ver a dobrar ou a sonhar (#) ou até a ficar loucos. A verdade é que 5+7=12 é usado para avaliar as experiências de adição, e não o contrário.
A natureza a priori da matemática é (…) o que a torna tão conclusiva, tão incorrigível: uma vez demonstrado, um teorema fica imune à revisão empírica. Existe, em geral, uma espécie de invulnerabilidade na matemática, precisamente por esta ser a priori.
(*) No entanto, isto não significa que essas crenças sejam inatas, i. e., que nascemos com elas. Como é óbvio, precisamos primeiro de adquirir os conceitos e a linguagem para as expressar, antes que possamos acreditar que 5+7=12. O carácter inato é uma noção psicológica, ao passo que o apriorismo é uma noção epistemológica, que tem a ver com a forma como a crença é justificada, o que conta como prova, quer a favor, quer contra esta.»
Rebecca Goldstein, Incompletude – A demonstração e o paradoxo de Kurt Gödel, Gradiva, Lisboa, 2009, pág.16.
(#) Segundo Descartes, a veracidade da matemática mantém-se mesmo durante os sonhos: “quer eu esteja acordado quer durma, dois e três somados são sempre cinco e o quadrado nunca tem mais do que quatro lados”. Assim, para Descartes, mesmo que a hipótese céptica da vida ser um sonho fosse verdadeira isso não implicaria por si só a falsidade da matemática.
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No dia de Camões, uma pausa na Filosofia para ouvir duas canções com as palavras deste poeta:
A primeira, “Dura Memória”, é interpretada por Amália Rodrigues e tem música de Alain Oulman.
A segunda, “Verdes são os campos”, é interpretada por Zeca Afonso.
Memória do meu bem, cortado em flores,
Por ordem de meus tristes e maus fados
Deixai-me descansar com meus cuidados
Nesta inquietação dos meus amores.
Basta-me o mal presente, e os temores
Dos sucessos que espero infortunados
Sem que venham, de novo, bens passados
Afrontar meu repouso com suas dores.
Perdi numa hora tudo quanto em termos
Tão vagarosos e largos, alcancei;
Deixai-me, com as lembranças desta glória.
Cumpre-se e acaba a vida nestes ermos
Porque neles com meu mal acabarei
Mil vidas não, uma só - dura memória!...
Verdes são os campos
Verdes são os campos,
De cor de limão:
Assim são os olhos
Do meu coração.
Campo, que te estendes
Com verdura bela;
Ovelhas, que nela
Vosso pasto tendes,
De ervas vos mantendes
Que traz o Verão,
E eu das lembranças
Do meu coração.
Gados que pasceis
Com contentamento,
Vosso mantimento
Não no entendereis;
Isso que comeis
Não são ervas, não:
São graças dos olhos
Do meu coração.
«O nacionalismo é um mal. Provoca guerras e tem as suas raízes na xenofobia e no racismo. (…) Disfarçado de patriotismo e amor pelo país, tira partido da sem-razão da psicologia de massas para fazer parecer aceitável, e mesmo honroso, vários horrores. Por exemplo, se alguém lhe dissesse: ‘Vou mandar o teu filho matar o filho dos teus vizinhos’, com certeza protestaria veementemente. Mas deixe seduzir-se com os seus gritos de ‘Rainha e Nação!’, ‘A Pátria!’, ‘O meu país, com razão ou sem ela!’ e vai dar consigo a permitir que ele mande todos os seus filhos matar não apenas os filhos de outras pessoas, como outras pessoas indiscriminadamente – que é o que fazem as bombas e as balas.
Os demagogos sabem muito bem o que fazem quando pregam o nacionalismo. Hitler disse: ‘A eficácia do chefe verdadeiramente nacionalista está em evitar que o seu povo disperse a atenção, mantendo-a assestada num inimigo comum’. E ele sabia a quem apelar: Goethe observara há muito que os sentimentos nacionalistas ‘conhecem a sua maior força e violência junto das pessoas com menor grau de cultura’. (…)
A ideia de nacionalismo depende da ideia de ‘nação’. A palavra não tem sentido: todas as ‘nações’ são híbridas, no sentido em que mais não são que uma mistura de imigrações e miscigenação de povos ao longo do tempo. Assim, a ideia de etnia é sobretudo cómica, excepto nos locais onde se pretende que a comunidade permaneceu tão remota e isolada (…) durante a maior parte da história, que conseguiu manter a sua reserva genética ‘pura’ (um cínico diria ‘consanguínea’).
Diz-se muitos disparates sobre as nações enquanto entidades: Emerson referiu o ‘génio’ de uma nação como algo independente dos seus cidadãos numéricos; Giraudoux descreveu o ‘espírito da nação’ como ‘a expressão dos seus olhos’; e abundam as afirmações sem sentido deste género.
As nações são construções artificiais cujas fronteiras foram traçadas no sangue das últimas guerras. E não se deve confundir cultura e nacionalidade: não existe país no mundo que não albergue mais do que uma cultura diferente mas geralmente coexistente. Património cultural não é a mesma coisa que identidade nacional.»
A. C. Grayling, O significado das coisas, Lisboa, 2002, Edições Gradiva, pp. 99-101.
Nota: “Tudo pela nação, nada contra a nação” era um slogan do Estado Novo, da autoria de Salazar (inspirado, creio, em Mussolini).
Se quiser observar o “eduquês” no máximo do seu pálido esplendor, leia a entrevista de Ana Maria Bettencourt (presidente do Conselho Nacional da Educação, professora e investigadora na área das Ciências da Educação, tendo já sido deputada do PS e assessora para a Educação do Presidente da República Jorge Sampaio) ao Público.
A senhora repete os disparates do costume (os alunos não deviam reprovar, os exames não são necessários para haver sucesso educativo, o ensino centrado no aluno, etc.) acrescentando sempre “está provado que…”
Aconselhar Ana Maria Bettencourt a ler Karl Popper talvez fosse excessivo da minha parte, pois a senhora ao informar-se sobre o critério de falsificabilidade podia concluir que a maioria dos estudos feitos no âmbito das Ciências da Educação são pseudo-científicos e lá se ia o trabalho de uma vida...
Mesmo assim, se conhecesse a presidente do Conselho Nacional da Educação, eu sugerir-lhe-ia que reflectisse acerca de afirmações como esta:
«Nunca se pode provar nem afirmar que uma teoria científica é verdadeira. Quanto muito, pode provar-se que é falsa – se se realizar um teste cujos resultados sejam contrários às suas previsões».
Jorge Buescu, O Mistério do Bilhete de Identidade e Outras Histórias, 9ª edição, Gradiva, Lisboa, 2004, pág. 13.
Mostrei nas aulas, a propósito do problema do sentido da vida, o filme “Citizen Kane” (“O Mundo a Seus Pés”, em português) de Orson Welles.
Ainda que alguns alunos tenham achado, inicialmente, uma certa ousadia da minha parte passar na aula um filme a preto e branco realizado em 1941, julgo que maioria deles acabou por não ficar indiferente à história relatada e ao fabuloso desempenho de Orson Welles.
Este filme permite-nos reflectir, entre outras coisas, acerca da relação entre o dinheiro, o poder e a felicidade.
O filme mostra que se pode possuir tudo aquilo que o dinheiro compra, ter poder para concretizar todos os desejos e acabar na mais completa solidão. Sendo assim, o que é verdadeiramente importante na vida?
É espantoso pensar que Orson Welles (simultaneamente realizador e actor principal) tinha apenas 25 anos quando o filme foi feito, tendo sido o primeiro que realizou.
Bem, chega de palavras. Vejam o filme, que é, na minha opinião, genial.
“Os filósofos antigos tiveram muito a dizer sobre a felicidade. Supunham que ‘a melhor vida’ e ‘a vida feliz’ eram a mesma coisa, e geralmente aceitavam que a felicidade consistia numa vida de razão e virtude. Epicuro (341-270 a. C.) recomendou uma vida simples, de modo a se evitarem sofrimentos e ansiedades. Os estóicos acrescentaram que um homem sábio não permitiria que a sua felicidade dependesse de coisas que estivessem fora do seu controlo, como a riqueza, a saúde, a boa aparência ou as opiniões dos outros. Não podemos controlar as circunstâncias externas, disseram, pelo que devemos ser indiferentes a essas coisas, aceitando-as como aparecem. Epitecto (c. 55-135 a. C.), um dos grandes professores estóicos, deu este conselho aos seus estudantes: ‘Não peçam que as coisas ocorram segundo a vossa vontade; façam com que a vossa vontade seja que as coisas ocorram como ocorrem de facto, e terão paz.’
Algumas destas ideias podem parecer questionáveis, mas uma parte significativa delas tem sido confirmada pela investigação psicológica moderna.
Consideremos, por exemplo, a ideia de que a riqueza não traz felicidade. Dado que a maior parte das pessoas quer ser rica, poderíamos pensar que há alguma correlação entre a riqueza e a felicidade. Mas não há. Quando Ronald Inglehardt, cientista político da Universidade de Michigan, comparou os níveis de riqueza de países diferentes com aquilo que as pessoas desses países dizem sobre a sua satisfação com a sua vida, descobriu que as pessoas dos países mais ricos não são mais felizes do que as dos países mais pobres. Por vezes acontece o oposto: os alemães ocidentais têm o dobro da riqueza dos irlandeses, mas os irlandeses são mais felizes. Dentro de países específicos, encontrou a mesma ausência de correlação: as pessoas que têm mais dinheiro não são mais felizes que as outras. Portanto, sermos ricos não importa. As pessoas afectadas pela pobreza tendem a ser menos felizes do que aquelas que possuem o suficiente para viver; mas, para aqueles que estão acima da linha de pobreza, o dinheiro adicional faz pouca diferença. O psicólogo David Myers observa que ‘quando se ultrapassa a pobreza, o crescimento económico suplementar não melhora significativamente o ânimo dos seres humanos’.
Os estudos sobre os vencedores de lotarias confirmam isto de forma notável. Como é óbvio, os vencedores de lotarias ficam extremamente felizes quando sabem das boas notícias e a euforia tende a durar alguns dias. Mas, passado pouco tempo, regressam ao seu nível normal de felicidade. No essencial, as pessoas amuadas voltam a ficar amuadas. Podem ser capazes de deixar o emprego e de comprar muitas coisas, mas, no que respeita ao seu nível de felicidade, a riqueza recentemente adquirida não faz diferença. (…)
Então, o que tornará as pessoas felizes? Se não é a riqueza (…) o que será?”
James Rachels, Problemas da Filosofia, tradução de Pedro Galvão, Gradiva, Lisboa, 2009, pp. 286-288.
Ando a ler este livro (o mais recente da colecção Filosofia Aberta) em pequenos goles: um bocadinho de cada vez. Não por medo de me engasgar, mas por causa da correcção dos testes.
Pode ler uma breve mas informativa apresentação do livro aqui, na revista Crítica.
James Rachels, Problemas da Filosofia, tradução de Pedro Galvão, Gradiva, Lisboa, 2009.