sábado, 28 de março de 2009

As noções de “estado de natureza” e “contrato social” na perspectiva de Hobbes


Retrato de Thomas Hobbes (1588-1679) de John Michael Wright.

«Hobbes começa por perguntar como seria se não houvesse regras sociais e nenhum mecanismo comummente aceite para as impor. Imaginemos, se quisermos, que não havia governos – nem leis, polícias ou tribunais. Nesta situação, cada um de nós seria livre de fazer o que quisesse. Hobbes chamou a isto estado de natureza. Como seria?

Hobbes pensava que seria horrível. No Leviathan escreveu que "não haveria maneira de ser empreendedor, pois o fruto do trabalho seria incerto: e consequentemente a terra não seria cultivada; não haveria navegação nem utilização dos produtos que podem ser transportados por mar; nem edifícios confortáveis; nem instrumentos para auxiliar a deslocação e remoção de coisas que requerem muita força; nem conhecimento da face da Terra; nem mecanismos para contar o tempo; nem artes; nem letras; nem sociedade; e, o que é pior, haveria um medo contínuo e perigo de morte violenta; e a vida do homem seria solitária, pobre, sórdida, brutal e curta."

(…) Todos precisamos das mesmas coisas básicas, e [nesse estado de natureza] não as há em quantidade suficiente para sobrevivermos. Logo, seremos colocados numa espécie de competição por elas. Mas nenhum de nós tem capacidade para triunfar sobre a concorrência, e ninguém – ou quase ninguém – estará disposto a abdicar da satisfação das suas necessidades em favor dos outros. O resultado é nas palavras de Hobbes, um “estado de guerra constante de um contra todos”. E trata-se de uma guerra que ninguém pode esperar vencer. Uma pessoa razoável que queira sobreviver, tentará recolher o que precisa e preparar-se para o defender dos outros atacantes. Mas os outros farão a mesma coisa. São estas as razões pelas quais a vida no estado de natureza seria intolerável.

Hobbes não pensava que tudo isto fosse mera especulação. Sublinhou até que isto é o que acontece de facto quando os governos caem, como durante uma insurreição civil. As pessoas começam desesperadamente a armazenar comida, a armar-se e a afastar-se dos vizinhos (O que faria o leitor se amanhã de manhã ao acordar descobrisse que por causa de qualquer catástrofe o governo tinha caído, não havendo leis, polícia ou tribunais em funcionamento?).

(…) Para escapar ao estado de natureza as pessoas têm, pois, de concordar no estabelecimento de regras para governar as suas relações, e têm de concordar no estabelecimento de um intermediário – o Estado – com o poder necessário para aplicar estas regras. Segundo Hobbes, tal acordo existe de facto, e torna a vida possível em sociedade. A este acordo, do qual cada cidadão é parte, chama-se contrato social (…).

No estado de natureza é cada um por si; aí, seria estúpido alguém adoptar a política de “olhar pelos outros”, porque só se poderia fazer isso à custa de colocar permanentemente os seus próprios interesses em risco. Mas em sociedade o altruísmo torna-se possível. Ao libertar-nos do “medo contínuo de uma morte violenta”, o contrato social liberta-nos para cuidar dos outros.»

James Rachels, Elementos de Filosofia moral, Lisboa, Edições Gradiva, 2004, pp. 204-208.

É de salientar que, de acordo com este filósofo, a satisfação das necessidades mais elevadas, como o conhecimento ou a arte, não é possível se não estiverem asseguradas necessidades básicas como a alimentação ou segurança.

Além disso, Hobbes parte do princípio que os interesses egoístas de cada ser humano, no estado de natureza, prevalecem sempre relativamente à promoção imparcial do bem comum. Será mesmo assim? Ou pelo contrário, podemos apresentar argumentos para refutar este pressuposto central da filosofia política de Hobbes?

Se sim, quais?

Se não, porquê?

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