«Na época a que nos referimos [séc. XVIII] dominava nas
cidades um fedor dificilmente imaginável para o homem dos tempos modernos. As
ruas tresandavam a lixo, os saguões tresandavam a urina, as escadas das casas tresandavam
a madeira bolorenta e a caganitas de rato e as cozinhas a couve podre e a
gordura de carneiro; as divisões mal arejadas tresandavam a mofo, os quartos de
dormir tresandavam a reposteiros gordurosos, a colchas bafientas e ao cheiro
acre dos bacios. As chaminés cuspiam fedor a enxofre, as fábricas de curtumes cuspiam
o fedor dos seus banhos corrosivos e os matadouros o fedor a sangue coalhado.
As pessoas tresandavam a suor e a roupa por lavar; as bocas tresandavam a
dentes podres, os estômagos tresandavam a cebola e os corpos, ao perderem a
juventude, tresandavam a queijo rançoso, leite azedo e tumores em evolução. Os
rios tresandavam, as praças tresandavam, as igrejas tresandavam e o mesmo
acontecia debaixo das pontes e nos palácios. O camponês cheirava tão mal como o
padre, o operário como a mulher do mestre artesão, a nobreza tresandava em
todas as suas camadas, o próprio rei cheirava tão mal como um animal selvagem e
a rainha como uma cabra velha, quer de verão quer de inverno.»
Patrick Süskind, ‘O Perfume’, Ed. Presença, Lisboa, 2023,
pp. 9-10.
Pintura: Étienne Jeaurat, ‘Les Écosseuses de pois de la Halle’ (1763).