Fui hoje informado que no próximo ano letivo terei horário zero. Terei, portanto, que concorrer. Pelo que ouvi dizer, numa escola secundária de Faro há dois horários – sem filosofia, apenas com disciplinas dos cursos profissionais e outros similares. Vivo em Faro, mas se numa das cidade próximas existisse um horário com filosofia tentaria ir para lá. Infelizmente parece que não há.
Sou professor há vinte e dois anos. Dez deles, sendo os últimos nove consecutivos, na Escola Secundária de Pinheiro e Rosa. Tive Muito Bom numa avaliação e Excelente na outra. Nos anos que levei alunos a exame a média destes foi sempre superior à média nacional e melhor que a maioria das outras disciplinas da escola. Além do Dúvida Metódica, criei um blogue de Sociologia que está quase a chegar ao milhão de visitas e um blogue para usar nas aulas de Área de Integração, do Ensino Profissional. Já ouvi – e li – muitas pessoas diferentes dizerem que não faço um mau trabalho. Mas nada disso conta, pois na minha escola há colegas com mais tempo de serviço e eu sou o último da lista.
Descobri que a possibilidade de ter horário zero era elevada há semanas atrás, mas tinha ainda uma esperança remota e irrealista, para não dizer estúpida, de que isso não sucedesse. Quando há minutos li a frase “não tem horário para o ano letivo 2014/2015, pelo que tem de concorrer ao Destacamento por Ausência da Componente Letiva” lembrei-me do final do romance O Processo de Franz Kafka quando K., mortalmente apunhalado no coração, murmura “Como um cão!”. E senti-me apunhalado no coração. Mas não mortalmente. Mas não mortalmente.
18 comentários:
É nestas situações que percebemos o quanto a ideia do socialismo na sociedade portuguesa e, em especial na Educação, (qual mérito qual carapuça, são todos excelentes) é injusta e antinatural. É revoltante ver que é assim que as coisas funcionam, mas apesar disso a maioria continua a achar que assim é que está bem. Destes, muitos vão mostrar-lhe cinicamente solidariedade para com a sua situação, mas não passa disso mesmo: puro cinismo.
Sei que isto é sempre mais complicado do que parece, mas se cada escola pudesse ser mais autónoma, talvez houvesse um pouco mais de justiça (desde que houvesse forma de responsabilizar as escolas pelas escolhas feitas). Mas, sim, claro, é muito difícil. A justiça cega do concurso nacional (ou seja, o tempo de serviço é que conta) é mais "bonita".
Fui seu aluno há anos e gostei. Eram aulas fixes em que se discutia muito e os alunos podiam dar a sua opinião. Tenho pena que não o deixem dar filosofia, não perca a esperança.
Carlos, se há coisa que não se ajusta ao teu caso é o argumento corporativo de que temos de unir como classe profissional. Falso! A maior parte dos membros da classe (nomeadamente os que se sentem mais longe dessa ameaça) convivem bem com as regras que te atiraram para o horário zero. O teu caso é diferente, pois és um dos professores portugueses de filosofia que mais tem feito pela dignificação do ensino da filosofia. E há abundantes provas disso. Assim, a questão não é ser só mais um colega a ficar com horário zero; a questão é que parece ser completamente irrelevante ser bom ou mau professor, ser um bom profissional ou um mau profissional. É isso que torna o teu caso inaceitável.
Não apenas um dos melhores mas mesmo o melhor professor que já tive, o que mais me ensinou e o que mais me fez pensar. É triste saber e tenho pena de quem não irá ter o privilégio de ouvi-lo falar.
Não percebendo bem de como funcionam essas coisas e podendo estar a cair no erro de parecer completamente ignorante.. não pode dar aulas na universidade?
De qualquer maneira, boa sorte para o futuro professor!
Agradeço os comentários e amanhã ou depois respondo a todos, mas por agora queria apenas referir-me ao comentário anónimo:
Obrigado pelo elogio, mas sendo o seu comentário anónimo ele de pouco me vale. Pessoas mal intencionadas poderiam até dizer que fui eu que o escrevi. Para uma pessoa bem intencionada que me leia isso pode parecer implausível, mas é a triste realidade - há pessoas, nomeadamente colegas professores, muito mal intencionadas.
Ao longo dos últimos anos, e nomeadamente nos últimos meses, recebi várias mensagens de email e no facebook de alunos e colegas elogiando o meu trabalho. Mensagens privadas que não comprometem quem as enviou mas não .... Enfim, escuso de escrever o resto.
Seja como for, caro anónimo/a, agradeço o elogio.
Colega,o que se pode dizer numa situação destas? Vivemos numa sociedade onde cada um olha apenas só para si.
Gosto do seu trabalho, da sua frontalidade e da sua seriedade.
Já o tinha elogiado. Se a solidariedade é um valor, estou consigo.Sente-se revolta,angustia,ingratidão ...
Céu Pinhel
Carlos Pires:
O seu problema tem, de imediato, duas grandes dimensões:
1.ª- a dos critérios de avaliação/escolha/autonomia das escolas/contratação dos professores:
2.ª - a das opções de política educativa (no caso deste ministro).
Acho, no mínimo, estranho, que pessoas tão informadas e tão reflexivas, como é o senhor e alguns ilustres comentadores, se fiquem pela parte mais problemática da 1.ª dimensão.
E se a «conjunção dos astros» (concursos ao longo dos anos) tivesse determinado que os poucos (quatro?) professores da sua escola fossem igualmente competentes, o que não é difícil de imaginar, pois há, felizmente, muitos professores de filosofia no ensino público altamente competentes como o senhor, o problema resolvia-se como?
Entretanto, enquanto se mingua o ensino público, e mesmo onde há uma rede deste ensino que cobre as necessidades (p. ex. Caldas da Rainha, Coimbra, entre outros locais), proíbe-se a formação de turmas neste segmento de ensino e permite-se nos colégios privados.
É outra dimensão a que não é alheio o que lhe está a acontecer. Ou será?
Já estou aposentada há seis anos e nunca corri o risco de ter horário 0 porque leccionava Inglês e havia alunos q.b. Reparei, no entanto que a escolha dos curricula dos alunos não é alheia ao facto de Filosofia e Sociologia ou outras disciplinas serem preteridas em favor de aulas técnicas, informática ou outras, dado que muitos dos professores que agora dirigem as escolas são especializados em gestão e usam-na em seu proveito.
Desejo que encontre alguma escola que compreenda que os anos de serviço não têm nada a ver com a excelência e, sobretudo, com amor ao ensino. Conheci professores que após 30 anos de ensino, só desejavam ver-se livres deles.
Felicidades!
Obrigado pelas suas palavras, Tiago. Já tive muitos alunos com o nome Tiago. De uns lembro-me e de outros não. Tenho pena de não saber o seu apelido, mas quero acreditar que o Tiago faz parte da lista dos que me lembro. Votos de felicidade para si.
Obrigado Céu.
Explicação do Mundo: Obrigado, mas cada vez tenho mais dúvidas sobre o valor e o alcance da autonomia. Sabe uma das coisas que anda a ser feita em nome da autonomia? Diminuir a carga horária de certas disciplinas (a Filosofia é uma vítima habitual). O que se ganha com isso? Não uma melhor resposta aos problemas concretos desta ou daquela escola mas sim mais horas e mais horários para as pessoas influentes dessas escolas.
Manuel Silva:
O facto de um certo professor, por exemplo eu, ter horário zero tem certamente relação com as opções políticas deste ministro (e dos dois anteriores, que apesar de serem de outro partido iniciaram este processo). O facto de a carga horária das disciplinas de opção do 12º ter diminuído e o facto de o governo impor turmas maiores, entre outras razões, contribuem para a proliferação dos horários zero. Mas isso não é tudo. No caso do meu horário zero há fatores internos que tiveram uma enorme influência.
Virgínia:
Obrigado. Contudo, permita que lhe diga que a Filosofia é uma disciplina obrigatória e não opcional. Quanto à Sociologia, é opcional. Desde que leciono Sociologia, na minha escola (ou melhor, na minha anterior escola, uma vez que me varreram de lá) é sempre a disciplina de opção mais escolhida da área das Humanidades. Este ano, por exemplo, haverá 2 turmas de Sociologia - e os alunos que fizeram essa opção julgavam que seria eu o professor. Nada disso me impediu de ter horário zero.
Aires:
Obrigado pelas tuas palavras. Nesta coisa dos horários zero há duas dimensões principais: a dimensão política relacionada com diversas medidas governativas (erradas, na minha opinião) e o problema do mérito ou demérito do professor que tem horário zero. A primeira é politicamente correta e une (com muitos equívocos e hipocrisias pelo meio) a maioria dos professores. A segunda dimensão deixa a maioria deles (que não é completamente coincidente com a outra maioria) cheios de reservas e silêncios. Ando a pensar escrever acerca disso mas tenho adiado, pois estou cansado e sem esperança e sinto que não vale a pena - calculo que me espere mais silêncio. Um pormenor que contribui para o cansaço e para a falta de esperança: não são só os professores com menor mérito que não se sentem à vontade com a questão da avaliação e do reconhecimento do mérito alheio.
Obrigado, mais uma vez.
A alteração das cargas horárias das disciplinas e respetiva decisão dos tempos a atribuir, consoante as escolas, introduzida há dois anos, revela-se catastrófica para a Filosofia. Claro que esta disciplina vê a sua carga horária reduzida, porque é tida como menor, como menos importante e, no entanto, continua a ser uma disciplina de exame, cuja preparação para o mesmo exigiria respeito pelos tempos letivos previstos quando da conceção do programa.No entanto, quando se trata de avaliar os resultados de exame, por disciplina e por escola, tudo é tomado como igual e afinal é tão diverso. Lamento a situação do colega Carlos Pires, porque o considero um bom profissional e a não conseguir colocação será mais uma perda para o trabalho filosófico, de qualidade.
Olá, Carlos!
Lamento a situação. Nunca pensei que numa escola de uma cidade como Faro que já houvesse uma redução tão significativa do número de alunos. No meu caso, também, no final do ano lectivo estive na iminência de ter horário zero, mas o aparecimento de mais uma turma do ensino profissional acabou por evitar que tal sucedesse. Seria bom que entrasses numa escola onde leccionasses Filosofia, caso contrário, a disponibilidade para trabalhar no blogue será afetada, o que resultará no prejuízo de todos aqueles que se interessam pelo estudo da Filosofia.
Cumprimentos
F. Pinheiro
Colega(permita que o trate assim pois sou professora do 1ºCEB),
a disciplina de filosofia não deveria ser tão negligenciada. Deveria ser lecionada logo a partir do 1º ciclo, de maneira a fazer pensar as nossas crianças, a terem opinião própria e a serem proativos desde tenra idade. Juntar-se-ia o útil ao agradável, pois assim os colegas teriam mais hipóteses de colocação nas escolas.
Cumprimentos e boa sorte.
Fernanda
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