Hoje, numa das escolas básicas do Agrupamento de Escolas Pinheiro e Rosa (a EB1 nº 5, mais conhecida por Escola de Vale Carneiros), os alunos do primeiro ciclo poderão falar com a escritora Luísa Ducla Soares, um privilégio que eu gostaria de ter para lhe agradecer os maravilhosos (e muitos) livros que tem escrito para crianças.
Os meus dois filhos, um deles já adulto, aprenderam o alfabeto e o gosto pela leitura nos livros desta escritora: bem escritos, divertidos, numa linguagem simples e acessível, imaginativos, abordando questões que nos fazem pensar (e sonhar) acerca dos assuntos mais diversos.
Há várias gerações de crianças em Portugal que lhe devem muito. Obrigada!
Deixo-vos duas sugestões de publicações recentes, cuja leitura aconselho também a adultos. Imperdíveis!
Era uma vez um filósofo chamado Buridan.
- Mas que vem a ser um filósofo? - perguntam vocês.
- É um homem cuja profissão é pensar.
Pensa, pensa e ensina os outros a pensar.
O nosso filósofo tinha um burro, que pensava pouco e carregava muito, como em geral acontece com os burros. Carregava cântaros de água da fonte, lenha para a lareira, sacos de farinha, livros e mais livros. Até carregava o dono que andava de terra em terra a dar lições a quem queria aprender a pensar.
Certo dia, nas suas andanças, chegaram a uma terra e procuraram uma hospedaria.
O burro como burro ficou no pátio, atado a uma árvore. Buridan como sábio, entrou na sala onde encontrou um jovem a chorar (…).
- Porque choras? – perguntou o filósofo.
- Quando cá estive a semana passada os teus olhos riam como dois sóis.
- Antes ria porque era feliz. Tencionava casar-me… Tinha-me apaixonado por uma rapariga tão bela, tão maravilhosa que julguei que no mundo não houvesse outra igual.
- Mas havia? – quis saber Buridan, já curioso.
- Apresentou-me a irmã gémea! É impossível distingui-las. Agora já não sei qual hei-de amar. O filósofo pôs-se a pensar a pensar. Não era essa a sua especialidade?
- Aí está um problema sem solução. Dizem que o homem é livre de fazer escolhas mas, diante de duas pessoas iguais como há-de decidir?
- Então estou condenado a ficar solteiro?
- Bem, tu ainda tens sorte porque um homem pode viver sem casar. Mas um caso de indecisão pode levar até à morte.
A gente que entretanto se tinha reunido na estalagem ouvia atentamente aquelas palavras graves.
- Sim! Sim! – insistiu Buridan. – Vão ver a tragédia que vai acontecer ao meu burro.
Mandou buscar dois fardos de palha iguaizinhos.
Colocou o burro no meio do pátio com um fardo de cada lado, à mesma distância.
- Como ele não pode decidir entre dois objetos iguais vai hesitar, hesitar até morrer de fome.
As pessoas puseram-se a espreitar em silêncio.
(…) A estalajadeira pôs-se a esfregar as mãos de contentamento, tecendo planos em voz alta.
- Então com a pele dele vou fazer uma mala para guardar o enxoval. Transformo o rabo em vassoura. Com a carne vou cozinhar um banquete para os meus hóspedes e deito os ossos aos cães.
O burro até espetou as orelhas ao ouvir estas palavras.
Deu um par de coices no ar, não hesitou mais. Trotou até ao fardo da direita e comeu metade, trotou até ao fardo da esquerda e comeu outra metade.
Depois, feliz por se ver livre, para mais com a barriga cheia, largou a galope até uma encruzilhada de onde partiam duas estradas iguais.
Não perdeu tempo a decidir, meteu pelo campo.
Para que é que um burro precisa de estradas?
(…) o filósofo Buridan, agora sem montada, achou que o melhor era sentar-se a escrever para não cansar as pernas. E escreveu um livro que muitos leram em que falava dum burro imaginário que morreu por ser incapaz de decidir. Lê-lo, de certeza, nunca passou pela cabeça de qualquer burro com juízo.”
Luísa Ducla Soares com ilustrações de Eunice Rosado, O burro de Buridan, Civilização Editora, Lisboa 2010.