As praxes académicas pretendem ser rituais de iniciação e visam – diz-se – facilitar a integração dos novos alunos na Universidade.
Há muitos rituais de iniciação do mundo. Por exemplo: os rituais destinados a assinalar a entrada na idade adulta são muito frequentes.
A natureza desses rituais depende geralmente do estilo de vida do povo em causa e do sexo da pessoa iniciada, pois as provas incluídas nas cerimónias pretendem ser uma preparação para a vida e uma ocasião para o iniciado demonstrar as suas qualidades. Por isso, quando se trata de um povo guerreiro (ou então um povo cuja sobrevivência depende de atividades, como a caça e a pesca, cujo exercício requer coragem, força e resistência) as provas exigidas aos iniciados são normalmente violentas e dolorosas. Quando as atividades predominantes numa sociedade são mais “pacíficas”, como a agricultura, os rituais são normalmente menos violentos e menos exigentes.
Contudo, a natureza da maioria das praxes académicas realizadas em Portugal nada tem a ver com a vida de estudante universitário nem com o curso escolhido por cada estudante, uma vez que envolvem quase sempre bebedeiras e brincadeiras humilhantes e estúpidas (é a palavra). Qual é a relação entre o estudo universitário e cantar canções ordinárias, simular posições sexuais e rastejar em cima de tomates podres enquanto alguém atira ovos ou tinta para o cabelo e para a roupa? De que modo é que isso contribui para a integração do caloiro?
Essas praxes expressam conformismo, falta de autonomia, ignorância e valores reles (submissão, hierarquia arbitrária…) – tudo coisas contrárias ao que habitualmente se espera da Universidade. Como é que a humilhação pode ajudar alguém a integrar-se realmente numa instituição que visa promover o conhecimento e a autonomia intelectual? As praxes são uma negação do que a Universidade deve ser.
Isso não significa que todos os praxados sejam pessoas conformistas nem que todos os praxadores sejam pessoas ignorantes e abusadoras. Uns são e outros não. O que se passa é que, quando algo se torna uma “moda” social ou uma tradição, muitas pessoas a seguem mesmo que não esteja de acordo com a sua personalidade. Seguem a tradição porque é… tradição.
O facto de pessoas que não gostam de ser humilhadas e de pessoas que não gostam de humilhar se prestarem a fazê-lo, mesmo que noutras áreas da sua vida nunca o façam, mostra que não se trata de algo inevitável e ao qual só nos resta resignar. Essas pessoas podem ser persuadidas de que é uma tradição errada e que ser humilhado e humilhar não é de modo nenhum uma condição necessária para poder usufruir das muitas coisas boas da vida universitária, incluindo o convívio e a amizade entre os universitários.
Espero que a atenção que tem sido dedicada às praxes universitárias por causa do que aconteceu na praia do Meco seja uma oportunidade para essa persuasão ocorrer. As praxes deviam acabar e a melhor maneira de o conseguir seria os estudantes deixarem de as fazer.
(Acerca de rituais de iniciação: O que são ritos de passagem?)
1 comentário:
Com o enorme respeito que tenho por este blog e pelos seus criadores, vou ter que discordar em relação a esta matéria.
Em primeiro lugar, devo dizer que a sua opinião é concordante com a maioria dos ditos intelectuais e comentadores políticos que inundam as nossas televisões e que falam sobre todos os assuntos, inclusivamente sobre aqueles que não são especialistas ou que até desconhecem na totalidade.
Devo dizer que a opinião pública tem sido moldada devido à imagem passada pelos media que, como muitas vezes, tentam exagerar e procuram a informação que seja mais sensacionalista e não aquela que transmite a verdade.
Sinto que posso falar sobre o assunto das praxes porque passei por isso há relativamente pouco tempo.
A minha experiência afirma que a praxe foi efectivamente um modo muito divertido de conhecer todos os locais da faculdade, de conhecer diferentes pessoas e de conhecer a cidade para a qual me desloquei para estudar.
Não houve humilhação, não houve uma pinga de álcool. Apenas houve jogos, risos e muita alegria.
Assim sendo, penso que apenas estão a passar um dos lados da moeda. Acredito que existam más praxes e, nesse caso, concordo com tudo o que disse mas sei que, como em todos os assuntos da vida, há pessoas inteligentes e com valores que conseguem tornar a praxe num momento de prazer para todos os seus protagonistas e há pessoas que não primam pela inteligência e que se sentem superiores através da humilhação alheia.
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