Fotografia de Eduardo Gageiro.
A democracia, apesar das suas imperfeições, é preferível a qualquer outro tipo de regime político. Todavia, isso não significa que os cidadãos não devam analisar criticamente os aspectos menos positivos do seu funcionamento a fim de melhorar ou corrigir ideias e práticas erróneas.
No Dia da Liberdade - em jeito de balanço e considerando o miserável estado do país em termos económicos, políticos, sociais e também éticos - talvez valha a pena tentar responder à seguinte questão: Até agora, fez-se o quê com a liberdade conquistada no 25 de Abril?
Eis algumas respostas possíveis:
- Serviu para muitos políticos corruptos, e o seu vasto leque de amigos, esbanjarem o dinheiro do Estado (pago com nossos impostos) para seu proveito pessoal ou em projectos que, na sua maioria, não contribuíram para o desenvolvimento do país;
- Promoveu-se o amiguismo e a corrupção como forma de subir na vida, em vez do trabalho e do mérito;
- Promoveu-se o consumismo, semeando centros comerciais de norte a sul do país, para as pessoas se endividarem, comprando o que podiam e não podiam;
- Apostou-se no desenvolvimento "tecnológico", esquecendo o atraso e a miséria em que vivem muitas pessoas, sobretudo as mais velhas, do interior desertificado;
- Exportaram-se para o estrangeiro, por não terem futuro em Portugal, muitos dos jovens licenciados mais capazes;
- Instalou-se o facilitismo nas escolas, impedindo alguns alunos, oriundos de meios sócio-económicos mais desfavorecidos, de terem acesso a uma educação exigente que os preparasse para competir no mercado de trabalho e lhes possibilitasse a mobilidade social;
A lista poderia continuar... Tudo isto em nome do Povo e da Liberdade.
Mas não tinha de ser assim.
- Se os tribunais funcionassem e os partidos da oposição fizessem, de facto, oposição;
- Se os jornalistas investigassem e escrutinassem a actividade dos políticos, expondo - de forma clara e objectiva - a incompetência e o compadrio;
- Se mais portugueses em vez de futebol, das novelas ou dos telemóveis (e outras futilidades afins) se interessassem por saber o que fazem os políticos com dinheiro dos seus impostos.
- Se mais portugueses denunciassem a corrupção e o amiguismo em vez de esperarem a sua oportunidade para beneficiar do "favor", do "tacho" e da "cunha", assumindo orgulhosamente: "parvo é quem não aproveita!"
- Se em vez de tudo esperar do Estado (entretanto falido), houvesse iniciativa e actividades económicas que produzissem riqueza;
- Se as escolas promovessem o trabalho e o mérito, reconhecendo os melhores;
- Se o desenvolvimento económico e social do país e o futuro das gerações vindouras fizessem parte das preocupações dos políticos;
- Se em vez do conformismo, do servilismo, da constante necessidade de obedecer e agradar a um chefe, se analisassem e discutissem ideias;
- Se os políticos, em vez da mentira e da manipulação, dissessem a verdade e pensassem no bem-público em vez do interesses próprio.
Não tem sido assim porquê? Vasco Pulido Valente explicou, num artigo do Jornal Público intitulado "O triunfo da corrupção", as principais razões:
«Um estudo de Luís de Sousa, do ICS (Instituto de Ciências Sociais), mostra que 63 por cento dos portugueses toleram (ou mais precisamente aprovam) a corrupção, desde que ela produza "efeitos benéficos" para a generalidade da população. Isto não é um sentimento transitório provocado pelas trapalhadas recentes; é uma cultura (...).
Não há regras para ninguém, porque ninguém cumpre as que por acaso há. Quem pode levar a sério uma escola em que o próprio ministério fabrica os resultados, proíbe legalmente a reprovação e aceita a violência? Quem pode levar a sério o regime que se diz democrático e selecciona o funcionalismo pela fidelidade partidária? Quem pode pode considerar um ponto de hora pagar impostos quando a fraude e a injustiça fiscal são socialmente sinais de privilégio e de esperteza? Quem vai pedir ao canalizador ou ao electricista que passe recibo ou a factura no restaurante, quando sabe o que o Estado gasta sem utilidade e sem sentido? E quem vai obedecer às determinações da câmara do seu sítio, quando a câmara é uma agência de negócios de favor e uma bolsa de favores sem explicação e sem desculpa?
Não admira que o "povo dos pequenos" (...) trabalhe mal, se trabalhar bem lhe custa; que peça aqui ou empurre ali, para se beneficiar ou aliviar; que torne as ruas numa lixeira pública; que guie na cidade ou na estrada como se estivesse sozinho (...) que não passe, enfim de um miserável cidadão, indiferente à política e ao país. Não lhe ensinaram outra coisa. Os chefes são como ele. Como exigir que ele se porte como Portugal inteiro não se porta? Claro que ele aprova a corrupção e consegue ver nela virtudes redentoras. Não é agora altura de mudar os costumes.»
Será possível, a curto prazo, mudar as ideias, as atitudes e os comportamentos da generalidade dos portugueses em relação à corrupção e à política?
É duvidoso. Não julgo que se possam modificar as ideias, da maioria das pessoas de um país, apenas devido ao discurso racional, como aliás a história de Portugal nos prova e no dia-a-dia, com frequência, podemos constatar.