domingo, 31 de janeiro de 2010

O Sol tem feito gazeta

Este Inverno tem sido muito frio. No blogue O Livro de Areia pode ler acerca de uma interessante hipótese científica para explicar o fenómeno:  a actividade solar diminuiu de intensidade, como costuma suceder de tempos a tempos. Ou seja, o Sol não meteu propriamente férias, mas fez um pouco de gazeta e diminuiu o ritmo de trabalho.

(É de sublinhar que a relação entre os dois fenómenos é uma hipótese em estudo, não havendo ainda dados suficientes para declarar se é verdadeira ou falsa.)

actividade solar

O Sol em forte actividade à esquerda, em Julho de 2002. À direita, uma imagem do passado 11 de Janeiro: apenas algumas manchas sombrias.

A imagem e a legenda foram roubadas d’ O Livro de Areia.

Houve ou não violação da liberdade de expressão? A opinião dos alunos (3)

Eu concordo com Pacheco Pereira e Lobo Xavier, pois houve uma clara violação da liberdade de expressão.

Retirar o cartaz só vai esconder a existência de tais ideais aos olhos de quem passa. A incitação ao racismo e à xenofobia, existente no cartaz, só apela a quem seja apoiante destas ideias, ou a quem está mal informado sobre o mundo que o rodeia, não tendo assim opinião própria, guiando-se por um ideal injustificado e absurdo.

Para além disso, o facto de se retirarem os cartazes deste partido (legalizado em Portugal), possivelmente, só vai levar à prática de acções ainda piores. Assim, ao proibi-lo de expressar a sua opinião através de um simples cartaz, provavelmente, este partido político irá adoptar medidas mais extremistas, e talvez violentas, para expressar as suas ideias e para mostrar que não será com a retirada do cartaz que se vai calar e aceitar esta opressão da sua liberdade de expressão.

António Costa defende a sua posição com base no facto da Constituição referir a proibição de qualquer mensagem incitante ao racismo violência e xenofobia. Acho que estas leis deviam de ser alteradas, ou pelo menos não deviam ser postas em prática, porque antes de oprimir estas mensagens, nós devemos informar as pessoas sobre as muitas razões de tais opiniões não terem justificação e serem absurdas. Desta maneira, poderíamos conseguir eliminar certas ideias nacionalistas da sociedade actual, pois não é ocultando que vamos vencer os partidários desta ideologia, eles continuarão a existir. O problema está em fazer com que mais ninguém entre no mundo do racismo, da xenofobia e da violência.

Portanto, uma medida, talvez, mais eficaz era a exposição de outro cartaz ao lado, enumerando as razões pelas quais o PNR é um partido completamente absurdo e com ideias que, quando postas em prática, espalham o terror e a repressão no dia-a-dia da população e, por isso, são inaceitáveis e só têm consequências negativas. Deste modo, as pessoas seriam informadas e não se deixaria levar tão facilmente por este tipo de mensagens.

Gonçalo Correia.

Houve ou não violação da liberdade de expressão? A opinião dos alunos (2)

Todos têm, numa democracia, o direito de divulgar e exprimir o seu pensamento, seja pela palavra, pela imagem como neste caso, ou por outro meio qualquer. É nisto que consiste a liberdade de expressão, esta é um direito que todos possuímos e que se traduz pelo facto de podermos dar a nossa opinião. No entanto, esta liberdade tem limitações que, segundo Mill, são: a incitação à violência e a difamação. E só quando tais limites são ultrapassados é que se justifica a intervenção do Estado.

Ora, na minha opinião, em relação a este caso, os dois intervenientes, Pacheco Pereira e Lobo Xavier, que defendem que houve uma violação da liberdade, têm razão. Por muito polémico que o cartaz seja, este não deveria ter sido removido, pois apesar de se tratar, sem dúvida, de uma manifestação racista, o PNR tem todo o direito de exprimir a sua opinião, “a não ser que fosse um apelo à violência; um apelo público à rebelião armada; à colocação de bombas nos edifícios públicos”, segundo palavras de Lobo Xavier.

Contudo, como António Costa refere o cartaz do PNR representa uma ovelha branca a pontapear as ovelhas negras. Mas esta imagem das ovelhas significa o quê? Será que podemos considerá-la um incentivo à violência?

Este é o grande problema da liberdade de expressão e dos seus limites: saber ao certo quando se os ultrapassa. Nesta situação, ao usar as ovelhas, o PNR está a amenizar o impacto que o cartaz poderá ter sobre a sociedade, pois não promove a violência humana, este não pretende que os portugueses cometam crimes contra os imigrantes, pretende apenas que apoiem o Partido Nacional Renovador e que não permitam a adopção de políticas favoráveis à imigração, quando, segundo este partido, “existem ainda muitos portugueses na miséria”.

Logo, na minha opinião, a intervenção do Estado nesta situação não se justifica, pois o PNR não está a promover a violência contra os imigrantes, expressa apenas a sua opinião de forma a sensibilizar o país para os problemas que a imigração trará para Portugal, e o facto de muitos dos já são existentes poderem ser agravados, como por exemplo: o desemprego, a criminalidade, os baixos salários e a subsídio dependência.

Obviamente que, do ponto vista moral, toda esta situação de racismo e xenofobia são bastante polémicas, mas o que temos de avaliar neste caso é se o cartaz, de facto, incita à violência ou recorre a alguma difamação.

Daniel Ricardo

Segundo Stuart Mill, a liberdade de expressão não deve ser abolida desde que sejam cumpridas determinadas condições: não se pratiquem acções difamatórias nem, em certas situações, se possa incitar à violência.

Na minha opinião e segundo a teoria de Stuart Mill ao ser retirado o cartaz do PNR (Partido Nacional Renovador) de uma rotunda na cidade de Lisboa não se está a abolir a liberdade de expressão, pois este foi retirado com justa causa. O referido cartaz incentiva à violência na medida em que mostra uma ovelha (branca), em que se pretende representar um cidadão de nacionalidade portuguesa, a pontapear as outras ovelhas (negras), os imigrantes. O correcto, e o que devia de ter sido feito, era o Partido Nacional Renovador limitar-se a mostrar a sua opinião de forma pacífica e sem representações de actos violentos.

O cartaz tem de facto um teor xenófobo, e embora os militantes do partido em causa tenham todo o direito de partilhar as suas convicções partidárias, mesmo que estas não sejam moralmente correctas, devem ter o cuidado de partilhá-las de forma a não incentivar qualquer tipo de violência.

A verdade é que o Estado interveio correctamente nesta situação. Na minha opinião evitou manifestações violentas, tanto por parte dos apoiantes do partido renovador, como por parte dos imigrantes que podiam sentir-se ofendidos.

Embora Stuart Mill defenda que devem ser ouvidas todas as opiniões para que possam ser discutidas e, caso estejam erradas, quem está errado possa, então, dar-se conta do seu erro, penso que esta é, de facto, uma excepção, até porque no referido cartaz os imigrantes eram considerados culpados pelo desemprego e pela criminalidade e este tipo de insinuações são bastante difamatórias, pois está-se a difamar a imagem de todos os imigrantes mesmo que estes sejam trabalhadores e não possuam nenhuma das características que lhes são atribuídas.

David Diogo

Houve ou não violação da liberdade de expressão? A opinião dos alunos (1)

Pedi aos meus alunos das turmas B, C e G do 11º ano que respondessem, sob a forma de um comentário, à questão formulada neste post.

Agradeço a todos os alunos que expressaram as suas opiniões e se esforçaram por defender os seus pontos de vista.

Os comentários de todos os alunos podem ser lidos aqui.

Tal como disse nas aulas, seleccionei alguns dos comentários e publico-os neste post e nos dois seguintes.

Assim, são apresentados, por ordem, os comentários dos seguintes alunos:

- João Gonçalves (11º B); Andreia Belmonte (11º C); Daniel Ricardo (11ºG); David Diogo (11ºG) e Gonçalo Correia (11º G).

No programa “Quadratura do Círculo” os comentadores discutem acerca da liberdade de expressão e sobre o caso da retirada do cartaz do partido nacionalista PNR sobre a presença de imigrantes em Portugal.

Segundo Pacheco Pereira “vivemos numa altura de autoritarismo em que as pessoas perdem o sentido pessoal da liberdade”. Com esta frase ele diz que cada vez mais a nossa liberdade é restringida por razões que muitas vezes desconhecemos, mas que aceitamos sem questionar. O cartaz em questão foi colocado legalmente e, na sua opinião, não devia ter sido retirado. Ele afirma ainda que a atitude do vereador da Câmara Municipal de Lisboa, que mandou retirar o cartaz, constitui um abuso de poder.

António Lobo Xavier, outro dos comentadores, diz que “a liberdade de expressão só deve ser limitada quando apela à violência, como à colocação de bombas em edifícios públicos”. Este argumento já havia sido usado por Stuart Mill para defender o seu ponto de vista em relação à liberdade de expressão. O comentador refere ainda que “invadir um cemitério da comunidade judaica e destruí-lo é uma coisa inqualificável e se utilizarmos a mesma medida para a exibição de cartazes com propaganda política, estaremos a banalizar as coisas verdadeiramente censuráveis”. Estes são os argumentos dos comentadores que defendem que houve violação da liberdade de expressão.

Já António Costa, refere que acima de tudo “a liberdade de expressão deve sempre prevalecer” e diz que não houve violação da liberdade de expressão, pois há que limitar certas opiniões e esses limites são a proibição de mensagens que apelem ao racismo, à xenofobia e à violência.

Pessoalmente acho que não houve violação da liberdade de expressão, porque como diz António Costa baseando-se nos argumentos de Stuart Mill e na Constituição Portuguesa, este direito fundamental deve ser limitado sempre que existe a possibilidade de incitar à violência. O cartaz do PNR que continha uma clara mensagem de racismo e de apelo à violência foi correctamente retirado para impedir que houvesse confrontos envolvendo imigrantes que se sentissem injustiçados e resolvessem retaliar.

João Gonçalves

Na minha opinião houve violação da liberdade de expressão. Qualquer um é livre de expor a sua opinião seja de que maneira for, desde que esta não incentive à violência. Isto aplica-se também ao PNR, como é óbvio. Eles têm razão? O que eles disseram e fizeram foi correcto? Esta não é a questão.

A questão aqui é: tinham eles o direito de expor aquele cartaz? Sim, eles tinham o direito! Não interessa se não concordamos com a opinião deles ou se achamos que são uns “monstros” por pensarem de tal maneira. Isso não é relevante. O direito à liberdade de expressão não protege apenas o direito a ter razão, protege ainda mais o direito a não ter. E é aqui que a mentalidade das pessoas ainda não evoluiu. Toda a gente acha que as pessoas são livres de expressar as suas opiniões desde que estas estejam dentro do que nós achamos ser admissível.

No tempo de Salazar as pessoas também podiam expressar a sua opinião desde que a mesma não fosse contra o regime. Se achamos que o que eles dizem sobre os imigrantes ou a forma como o dizem está incorrecto, devemos apresentar argumentos sólidos que provem que eles estão errados. Mas tal como nós temos a liberdade de exprimir o que pensamos sobre as acções do PNR, também eles têm o direito de expor aquele cartaz.

Concordo, ainda, com António Lobo Xavier que diz que se começarmos a encarar este tipo de acção com tamanha indignação, estaremos a banalizar os problemas e mais tarde não conseguiremos distinguir o que deve ou não ser punível por lei. E apesar de achar o cartaz ofensivo para com os imigrantes, penso que o facto de o partido o ter exposto é de certa forma positivo, pois mostra a sua opinião sincera e o tipo de partido que é.

Andreia Belmonte

sábado, 30 de janeiro de 2010

Bright Star: uma excelente experiência estética

Pode ver nas salas de cinema portuguesas o filme, da realizadora neo-zelandesa Jane Campion, intitulado em português: “Estrela Cintilante”. A história é baseada na biografia de John Keats (1795-1821), considerado um dos maiores poetas românticos ingleses.

Este filme constitui uma excelente experiência estética por vários motivos: a beleza das palavras e da fotografia, a reconstituição histórica da época (séc. XIX), o desempenho dos actores, a música de Mozart …

Este é o poema de Keats que dá nome ao filme (infelizmente não encontrei uma tradução em português):

Bright Star

Bright star, would I were stedfast as thou art--
Not in lone splendour hung aloft the night
And watching, with eternal lids apart,
Like nature's patient, sleepless Eremite,
The moving waters at their priestlike task
Of pure ablution round earth's human shores,
Or gazing on the new soft-fallen mask
Of snow upon the mountains and the moors--
No--yet still stedfast, still unchangeable,
Pillow'd upon my fair love's ripening breast,
To feel for ever its soft fall and swell,
Awake for ever in a sweet unrest,
Still, still to hear her tender-taken breath,
And so live ever--or else swoon to death.

John Keats

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Baixar a fasquia: uma objecção ao Determinismo Moderado

mulher salto em altura

O Determinismo Moderado defende a tese de que o determinismo e o livre-arbítrio são compatíveis. Ou seja: todas as acções são determinadas por causas anteriores mas algumas delas são livres. Para explicar essa compatibilidade alega que o que caracteriza uma acção livre não é a ausência de causas anteriores à decisão do agente, mas sim a ausência de coacções imediatas, de constrangimentos que o impeçam de fazer o que deseja ou que o obriguem a fazer o que não deseja. Assim, uma acção livre é uma acção realizada por vontade do agente e o facto dessa vontade ter sido influenciada por diversos factores que o agente não controla não lhe retira a liberdade.

Estará o Determinismo Moderado certo? Vamos considerar uma das objecções possíveis e a resposta do Determinismo Moderado a essa objecção.

O Determinismo Moderado redefine o conceito de livre-arbítrio de um modo simplista. Quando os defensores do Determinismo Radical e do Libertismo discutem se há ou não há livre-arbítrio não o entendem apenas como sendo a capacidade de realizar acções sem coacções imediatas, mas também como o poder de iniciar acções independentemente de quaisquer causas anteriores. Ou seja: entendem o livre-arbítrio como um poder de autodeterminação do agente. E o que discutem é se os seres humanos possuem ou não esse poder - discutem se os seres humanos podem realizar acções que derivem apenas da sua vontade, sem influência de qualquer outra causa. Os libertistas dizem que sim e os deterministas radicais dizem que não. O Determinismo Moderado ao restringir o livre-arbítrio à ausência de coacções “empobrece” esse conceito e só nessa medida parece compatibilizá-lo com o determinismo. Mas essa compatibilização é aparente e insatisfatória, pois o livre-arbítrio, se existir, é mais do que aquilo que o Determinismo Moderado diz que é. Assim, esta teoria não resolve o problema do livre-arbítrio.

Uma analogia talvez ajude a perceber esta objecção. Imagine que um atleta, ao ver alguns colegas darem saltos em altura e falharem (fazendo cair a fasquia, a barra horizontal por cima da qual deveriam saltar) anuncia que consegue efectuar aquele salto com sucesso. Antes de saltar, baixa a fasquia cerca de um metro e depois efectua o salto facilmente e sem a fazer cair. Como é óbvio, ninguém diria que ele foi bem sucedido, pois não deu o salto nas mesmas condições dos outros e arranjou para si condições menos exigentes. Ao restringir o livre-arbítrio à ausência de coacção imediata, os deterministas moderados fazem algo semelhante a baixar a fasquia do salto, pois mostrar que certas acções são feitas sem coacção imediata é fácil e trivial (nem um determinista radical duvida disso). Só que não era isso que estava realmente a ser discutido, alegam os críticos incompatibilistas (deterministas radicais e libertistas).

Um defensor do Determinismo Moderado pode responder a essa objecção dizendo que quem entende o livre-arbítrio como o poder de iniciar acções independentemente de quaisquer causas anteriores está a confundir os seus desejos com a realidade. Talvez fosse bom possuirmos um tal poder mas o que é facto é que não possuímos. A liberdade como autodeterminação é um mito. Talvez Deus, caso exista, possua esse género de liberdade. Porém, os seres humanos não são capazes de decidir fazer algo a partir do nada. São seres vivos e seres sociais e, como tal, não conseguem (nem seria de esperar que conseguissem) furtar-se à influência de inúmeros factores físicos, químicos, biológicos, sociais, psicológicos, etc., que têm uma presença constante na sua vida. Aquilo que querem resulta muito naturalmente desses factores. Afirmar que coisas como a influência da gravidade, a necessidade de comer ou a influência dos costumes sociais, anulam o livre-arbítrio faz tão pouco sentido como afirmar que andaríamos melhor sem a resistência do ar e que os peixes nadariam melhor sem a resistência da água.

O que será mais plausível, a objecção ou a crítica à objecção?

Uma nota final, para continuar a pensar. O Determinismo Moderado considera que são as coacções imediatas e não as causas anteriores que fazem com que algumas acções não sejam livres. Mas não serão algumas causas anteriores mais constrangedoras que outras? Não haverá algumas causas anteriores tão constrangedoras como as coacções imediatas?

Bibliografia:

Howard Kahane, “Livre-arbítrio, determinismo e responsabilidade moral”, Filosofia e Educação(http://www.filedu.com/hkahanelivre-arbitriodeterminismo.html).

James Rachels, Problemas da Filosofia, tradução de Pedro Galvão, Gradiva, Lisboa, 2009.

Paulo Ruas, “O Problema do Livre-arbítrio”, Crítica (http://criticanarede.com/met_savater.html).

Matriz do 3º teste de Filosofia do 11º ano (turmas B, C e G)

Temas: Filosofia, retórica e democracia. Os diferentes tipos de conhecimento. A definição tradicional de conhecimento. O problema da possibilidade do conhecimento: a perspectiva dos cépticos radicais.

Matriz 3º teste 11 S09 10

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Subjectivismo moral (3): Haverá provas em ética?

elementosdafilosofiamoral

Para mais informações sobre este livro ver aqui e aqui.

«Se o subjectivismo ético [ou moral] não é verdadeiro, porque razão se sentem algumas pessoas atraídas por ele? Uma das razões tem que ver com o facto de a ciência fornecer o nosso paradigma de objectividade, e quando comparamos a ética à ciência, à ética parecem faltar as características que tornam a ciência tão irresistível. Por exemplo: a inexistência de provas em ética parece uma grande deficiência. Podemos provar que o mundo é redondo, que não existe o maior número primo e que os dinossauros viveram antes dos seres humanos. Mas poderemos provar que o aborto é certo ou errado?

A ideia geral de que os juízos morais não se podem provar é apelativa. Qualquer pessoa que já tenha debatido um tema como o aborto sabe como pode ser frustrante tentar “provar” que o seu ponto de vista é correcto. No entanto, se examinarmos esta ideia mais de perto, revela-se dúbia (…).

É fácil imaginar (…) exemplos:

Jones é um homem mau. Tem o hábito de mentir; manipula as pessoas; engana-as quando pensa poder fazê-lo sem ser descoberto; é cruel com os outros e assim por diante;

Uma determinada vendedora de automóveis é desonesta. Esconde defeitos dos automóveis; aproveita-se de pessoas sem recursos pressionando-as a pagar preços exorbitantes por automóveis que sabe terem problemas; coloca anúncios publicitários enganadores em qualquer jornal que aceite publicá-los e assim por diante.

(…) Se uma das nossas razões para afirmar que Jones é um homem mau é ele mentir habitualmente, podemos prosseguir e explicar porque motivo mentir é mau. Mentir é mau, primeiro porque prejudica as pessoas. Se alguém dá uma falsa informação a outra pessoa e essa pessoa confiar nela, as coisas podem correr mal de diversas maneiras. Segundo, mentir é mau por ser uma violação da confiança. Confiar noutra pessoa significa ficarmos vulneráveis e desprotegidos. Quando se confia em alguém, acredita-se simplesmente no que essa pessoa diz, sem tomar precauções; e quando uma pessoa mente aproveita-se da nossa confiança. É por isso que ser enganado constitui uma ofensa tão íntima e pessoal. Por fim, a regra exigindo que não se minta é necessária para a sociedade poder existir - se não pudéssemos partir do princípio que as outras pessoas dirão a verdade, a comunicação tornar-se-ia impossível e, se a comunicação fosse impossível, a sociedade seria impossível.

Portanto, podemos apoiar os nossos juízos em boas razões, e podemos oferecer explicações do porquê de essas razões terem importância. Se podemos fazer tudo isto, (…) que mais “provas” poderia alguém desejar? É absurdo afirmar que os juízos éticos não podem ser mais do que “meras opiniões” (…).

Por fim, é fácil misturar duas coisas que são na realidade muito diferentes:

1. Provar a correcção de uma ideia;

2. Persuadir alguém a aceitar as nossas provas.

Podemos ter um argumento exemplar que alguém recusa a aceitar. Mas isso não significa que tenha de estar alguma coisa errada com o argumento ou que a “prova” seja, de alguma forma, inatingível. Pode apenas significar que alguém está a ser teimoso. Quando isto acontece não devemos surpreender-nos. Em ética é de esperar que as pessoas por vezes se recusem a dar ouvidos à razão. Afinal de contas, a ética pode exigir a realização de coisas que não queremos fazer, sendo, pois, muito previsível que tentemos evitar ouvir as suas exigências.»

James Rachels, Elementos de Filosofia Moral, tradução de F. J. Azevedo Gonçalves, Lisboa, 2004, Colecção Filosofia Aberta, Edições Gradiva, pp. 68-71.

Outras passagens deste livro podem encontrar-se neste blogue aqui.

Subjectivismo moral (2): Será a ética subjectiva?

Céu estrelado_2009_04_23a

Esta fotografia da NASA foi retirada daqui.

«Um juízo moral - ou qualquer outro tipo de juízo de valor - tem de ser apoiado em boas razões. Se alguém disser que uma determinada acção seria errada, pode-se perguntar porque razão seria errada e, se não houver uma resposta satisfatória, pode-se rejeitar esse conselho por ser infundado. Neste aspecto, os juízos morais são diferentes de meras expressões de preferência pessoal. Se alguém diz “Eu gosto de café”, não necessita de ter uma razão para isso; poderá estar a declarar o seu gosto pessoal e nada mais. Mas os juízos morais requerem o apoio de razões, sendo, na ausência dessas razões, meramente arbitrários.

Qualquer teoria adequada da natureza da avaliação moral deveria, portanto, ser capaz de dar conta das relações entre os juízos morais e as razões que os sustentam (…).

Hume sublinhava que se examinarmos as acções malévolas - “homicídio voluntário por exemplo” - não encontramos “matéria de facto” que corresponda à maldade (…). Esta tomada de consciência tem frequentemente sido entendida como motivo de desespero, porque as pessoas presumem que isto deve significar que os valores não têm um estatuto “objectivo”. Mas porque razão deveria a observação de Hume surpreender-nos? Os valores não são o tipo de coisas que possam existir como existem as estrelas e os planetas (Concebido desta maneira, qual seria o aspecto de um “valor”?) Um erro fundamental no qual incorrem muitas pessoas quando pensam sobre este assunto é partir do princípio de que há apenas duas possibilidades:

1. Há factos morais da mesma maneira que há factos sobre estrelas e planetas; ou

2. Os nossos valores não são mais do que a expressão dos nossos sentimentos subjectivos.

Isto é um erro porque descura uma terceira possibilidade crucial. As pessoas não têm apenas sentimentos, têm também razão, e isso faz uma grande diferença. Pode pois ser que

3. As verdades morais são verdades da razão; isto é, um juízo moral é verdadeiro se for sustentado por razões melhores que os juízos alternativos.

Assim, se quisermos entender a natureza da ética, devemos atentar nas razões. Uma verdade em ética é uma conclusão apoiada em razões: a resposta correcta a uma questão moral é simplesmente a resposta que tem do seu lado o peso da razão. Tais verdades são objectivas no sentido em que são verdadeiras independentemente do que possamos querer ou pensar. Não podemos tornar algo bom ou mau pelo simples desejo de que seja assim (…). Isto explica igualmente a nossa falibilidade: podemos enganar-nos sobre o que é bom ou mau porque podemos estar enganados sobre o que a razão recomenda. A razão diz o que diz, alheia às nossas opiniões e desejos.»

James Rachels, Elementos de Filosofia Moral, tradução de F. J. Azevedo Gonçalves, Lisboa, 2004, Colecção Filosofia Aberta, Edições Gradiva, pp. 65-67.

 

Subjectivismo moral (1): A verdade dos juízos morais depende da opinião pessoal?

Utilizamos palavras como “bem”, “mal”, “altruísmo”, “egoísmo” e “solidariedade”, por exemplo, para caracterizar certas acções, pessoas ou situações. Expressamos, então, “juízos de valor”. Quando estes se referem àquilo que devemos ou não fazer, ao que está certo ou errado, chamam-se “juízos morais”.

Nestes dias, perante as imagens avassaladoras da destruição provocada pelo sismo no Haiti, o significado de algumas expressões dos manuais de Filosofia como “os valores orientam e justificam as acções humanas” podem, talvez, tornar-se mais compreensíveis:

- Quando vemos médicos a lutar, por vezes impotentes e sem meios, para salvar pessoas, percebemos melhor o autêntico significado do valor da solidariedade.

- Quando vemos os bombeiros de Nova Iorque a salvar crianças dos escombros, percebemos melhor o sentido do amor ao próximo e do altruísmo.

- Quando vemos pessoas que usam a violência para se aproveitarem, nestas circunstâncias, da miséria e da desgraça alheias, percebemos melhor o significado da maldade e do egoísmo.

Referi estes exemplos nas aulas, ao explicar a teoria do subjectivismo moral. Segundo esta teoria filosófica, o valor de verdade dos juízos morais é relativo ao indivíduo, ou seja, varia de acordo com o sujeito em causa: os seus valores morais, ideias e sentimentos num dado momento e numa certa situação. Assim sendo, não há, por exemplo, acordo quanto ao valor de verdade a atribuir às proposições que expressam acções boas: tanto pode ser verdadeiro como falso, depende de uma apreciação que é sempre subjectiva.

Portanto, juízos morais como: “Os médicos que se encontram no Haiti são solidários”, “Os bombeiros, ao salvarem vidas, praticaram actos altruístas” e “As pessoas que pilharam e roubaram as vítimas do sismo praticaram actos moralmente incorrectos” serão verdadeiros ou falsos, dependendo da perspectiva adoptada por cada um de nós.

Mas será esta posição defensável? Será a verdade dos juízos morais uma mera questão de opinião pessoal?

Alguns exemplos, como estes, parecem contrariar a posição defendida pelo subjectivismo moral. Contudo, se analisarmos o ponto de vista que as pessoas adoptam - ao nível do senso comum - ao discutir assuntos polémicos como o aborto, a eutanásia, a pena de morte ou a homossexualidade, constatamos que a discordância leva a conversa (muitas vezes) a acabar assim: Isso é a tua opinião! Tens as tuas ideias e sentimentos sobre o assunto e eu tenho as minhas. E ponto final na discussão, pois presume-se que em relação a estes assuntos polémicos - na ausência de certeza ou consenso - qualquer ponto de vista é aceitável.

Ora, esta forma habitual de pensar e argumentar não faz sentido. Podemos apresentar, tal como faz James Rachels (nos Elementos de Filosofia Moral), um conjunto de razões para demonstrar que as ideias defendidas pelos subjectivistas morais não são racionalmente justificáveis.

Os argumentos de James Rachels - contra o subjectivismo moral - podem ser lidos nos posts seguintes.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

A estrada de Giges

 

O que sucederia se uma grande catástrofe matasse a maior parte dos seres humanos, dos animais e das plantas e destruísse as cidades, a agricultura, a indústria, o comércio e as instituições sociais e políticas (nomeadamente o governo, os tribunais e a polícia)?

O filme “A Estrada” (baseado no romance homónimo de Cormac McCarthy) sugere que a vida dos sobreviventes se tornaria miserável, perigosa e degradante. Matar-se-ia por um par de sapatos ou por um bocado de comida. A fome seria constante e muitas pessoas praticariam o canibalismo. As pessoas tenderiam a viver sozinhas ou em pequenos grupos, isolados e esquivos, devido à desconfiança e ao medo de serem atacadas pelos vizinhos. O horror do presente e a falta de esperança num futuro melhor tornaria muitas pessoas apáticas e levaria algumas ao suicídio.

Trata-se de um cenário ainda pior do que o descrito pelo filósofo Thomas Hobbes ao imaginar o que seria a vida humana sem Estado, sem organização social e política: uma vida “solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta” e dominada por “um constante temor e perigo de morte violenta” (ver aqui mais detalhes).

Infelizmente, é improvável que se trate de um pessimismo injustificado. O que vemos em “A Estrada” é apenas uma generalização feita a partir do que já aconteceu muitas vezes em situações de menor dimensão. Após naufrágios ou quedas de aviões os sobreviventes, isolados e acossados pela fome, recorreram muitas vezes ao canibalismo. Nos campos de concentração nazis e soviéticos muitos prisioneiros roubavam, agrediam ou matavam outros prisioneiros para lhes roubar um bocado de pão. Após catástrofes naturais ou grandes convulsões sociais e políticas, quando o controlo das autoridades do Estado diminui ou desaparece, é frequente ocorrerem roubos, pilhagens, violações, assassinatos e outras violências (veja aqui um exemplo). No Haiti, devastado pelo terramoto ocorrido no passado dia 12 de Janeiro, está a acontecer precisamente isso.

É como se as normas morais e jurídicas a que habitualmente obedecemos, e valores como a justiça e o respeito pelas outras pessoas, fossem apenas um verniz fino e frágil que nessas situações mais extremas estala - dando-nos uma visão do como seria terrível a vida humana sem o controlo do Estado e das outras instituições sociais.

Mas em “A Estrada” não há apenas desespero e miséria material e moral. Segundo o filme, embora se trate apenas de uma pequena minoria, nem todas pessoas esqueceram as normas que respeitavam ou perderam o respeito pelos outros. Nem todas as pessoas se tornaram escravas da fome e do medo. Embora esfomeadas, algumas pessoas não praticaram o canibalismo. Embora amedrontadas, algumas pessoas arranjaram coragem suficiente para ajudar quem precisava de ajuda e partilharam o pouco que tinham. O mesmo sucedeu nas situações reais referidas, nomeadamente nos campos de concentração nazis e soviéticos (veja aqui um exemplo).

Platão conta a história de um homem chamado Giges que encontra um anel que tornava as pessoas invisíveis. Com esse anel podiam, se quisessem, roubar e matar impunemente. O anel de Giges é uma espécie de teste: sem o medo do castigo as pessoas continuariam a respeitar as normas morais e jurídicas que respeitavam antes?

Situações como a descrita em “A Estrada”, ou como a que se verifica actualmente no Haiti, em que o controle estatal desaparece ou diminui muito, põem muitas pessoas no papel de Giges: poderem praticar o mal impunemente. Embora não sejam certamente a maioria, nem todas as pessoas falham nesse teste. Por isso, no final do filme é a esperança (embora incerta e pequena), e não o desespero, que tem a última palavra. Esperemos que suceda o mesmo no Haiti.

domingo, 17 de janeiro de 2010

O livre-arbítrio existe, pois temos consciência dele

Um dos argumentos libertistas para defender a existência do livre-arbítrio é o chamado argumento da experiência (já referido aqui). O filósofo Corliss Lamont apresentou-o do seguinte modo: há uma intuição vulgar imediata e poderosa, que é partilhada por virtualmente todos os seres humanos de que existe liberdade de escolha. Esta intuição parece-me tão forte como a sensação de prazer ou de dor; e a tentativa dos deterministas provarem que esta intuição é falsa é tão artificial como a pretensão (…) de que a dor não é real” ("Liberdade da vontade e responsabilidade humana", tradução de Vítor João Oliveira, no blogue Qualia).

Dito por outras palavras: temos consciência que temos livre-arbítrio e isso mostra que este existe.

Em primeiro lugar deve-se sublinhar que não se trata da experiência de um pequeno número de pessoas, mas de muitas - provavelmente todos os seres humanos. Os libertistas sugerem que é implausível que tantas pessoas estejam iludidas.

A intuição ou experiência do livre-arbítrio ocorre em circunstâncias diversas.

A intuição ou experiência do livre-arbítrio ocorre quando fazemos escolhas, como por exemplo quando escolhemos entre ocupar a tarde de domingo lendo um livro, vendo um filme ou dando um passeio. Ao efectuar uma escolha como essa sentimos que escolhemos aquilo que queremos. Não sentimos que estamos a ser pressionados e forçados a agir de um certo modo. Mas sentimos essa pressão e constrangimento quando somos agarrados por uma pessoa mais forte e empurrados numa direcção que não queríamos seguir. Isso mostra, segundo o Libertismo, que no primeiro caso houve livre-arbítrio.

A intuição ou experiência do livre-arbítrio também ocorre quando deliberamos. Muitas vezes, antes de decidir reflectimos acerca das alternativas e ponderamos as vantagens e desvantagens de cada uma delas. Quando deliberamos não sentimos que aquilo que vamos depois fazer seja inevitável e esteja predeterminado. Pelo contrário, sentimos que tudo está em aberto, que podemos ir por um caminho ou por outro - e daí a necessidade de deliberar para perceber qual deles é o melhor. Isso mostra, segundo o Libertismo, que nesses casos houve livre-arbítrio.

A intuição ou experiência do livre-arbítrio também pode ocorrer quando resistimos a um impulso ou necessidade, como por exemplo a fome. Não podemos deixar de sentir fome, mas podemos decidir não comer. Qualquer pessoa pode decidir adiar algumas horas a próxima refeição. Algumas pessoas (como as que fazem greves de fome) podem mesmo decidir nunca mais comer, embora isso as faça adoecer e depois morrer. Considerações semelhantes podem ser feitas relativamente à resistência a influências sociais, cuja existência não podemos evitar mas a quem podemos desobedecer. Quando dizemos “não” a tais impulsos e influências não sentimos que estamos a ser comandados por forças que não controlamos, mas sim que estamos a fazer aquilo que queremos, aquilo que escolhemos fazer. Isso mostra, segundo o Libertismo, que nesses casos houve livre-arbítrio.

Mas mostrará mesmo? Podem-se opor diversas objecções a este argumento, como se poderá brevemente verificar na caixa de comentários do post Argumentos a favor do Libertismo.

Aminatu Haidar

Aminatu Haidar esteve várias semanas em greve de fome, para defender o direito do Sara Ocidental (ocupado por Marrocos) à independência e para conseguir que o governo marroquino anulasse a proibição de entrada na sua terra.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Houve ou não violação da liberdade de expressão?

Os argumentos do filósofo Stuart Mill em defesa da liberdade de expressão podem ser aplicados e discutidos a propósito de casos concretos. Veja-se, por exemplo, o facto da Câmara Municipal de Lisboa ter mandado retirar um cartaz nacionalista do PNR sobre a presença de imigrantes em Portugal.

Os intervenientes no programa “Quadratura do Círculo” discutem este caso e apresentam diferentes argumentos: dois deles para defender que houve violação da liberdade de expressão e um outro para defender que não.

Quem tem, na sua opinião, razão? Porquê?

Um bom exemplo de debate político

No contexto de uma aula do 11º ano - em que se analisava um texto de Orwell (no manual a Arte de Pensar) sobre o tema da manipulação no discurso político - referi o programa da Sic Notícias, “Quadratura do Círculo” (à quinta, pelas 23.00 horas), como um bom exemplo de debate político.

O facto dos intervenientes (António Lobo Xavier, Pacheco Pereira e António Costa) pertencerem a partidos políticos diferentes e esgrimirem argumentos, confrontando ideias (o que nem sempre acontece nos debates políticos) dá ao espectador não só a possibilidade de ficar mais esclarecido como de formar a sua própria opinião.

Sobre a “Quadratura do Círculo” vale a pena ver a versão do Gato Fedorento.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Argumentos a favor do Libertismo


“O Libertismo é a perspectiva de que pelo menos algumas das nossas acções são livres porque não estão causalmente determinadas. Segundo esta teoria, as escolhas humanas não estão constrangidas da mesma forma que outros acontecimentos do mundo. Uma bola de bilhar, quando é atingida por outra bola de bilhar, tem de se mover numa certa direcção a uma certa velocidade. Não tem escolha. As leis causais determinam rigorosamente o que irá acontecer. Contudo, uma decisão humana não é assim. Neste preciso momento, o leitor pode decidir continuar a ler ou parar de ler. Pode fazer qualquer uma destas coisas e nada o faz escolher uma delas [ou seja, nada o obriga a escolher uma delas]. (…)

Esta forma de pensar foi defendida por diversos filósofos e propuseram-se vários argumentos a seu favor.

O argumento da experiência. Podemos começar com a ideia de que sabemos que somos livres porque cada um de nós apercebe-se imediatamente de ser livre cada vez que faz uma escolha consciente. Pense novamente no que está a fazer neste momento: ler uma página que está diante de si. Pode continuar a ler ou parar de ler. O que irá fazer? Pense na sensação que tem agora, enquanto pondera estas opções. Não sente constrangimentos. Nada o impede de seguir numa direcção nem o força a fazê-lo. A decisão é sua. A experiência de liberdade, poder-se-á dizer, é a melhor prova que podemos ter. (…)

O argumento da responsabilidade. O pressuposto de que temos livre-arbítrio está profundamente enraizado nas nossas formas habituais de pensar. Ao reagir a outras pessoas, não conseguimos deixar de as ver como autoras das suas acções. Consideramo-las responsáveis, censurando-as caso se tenham comportado mal e admirando-as caso se tenham comportado bem. Para que estas reacções estejam justificadas, parece necessário que as pessoas tenham livre-arbítrio.

Outros sentimentos humanos importantes também pressupõem o livre-arbítrio. Alguém que conquista uma vitória ou tem sucesso num exame pode sentir-se orgulhoso, enquanto alguém que desiste ou faz batota pode sentir-se envergonhado. Porém, se as nossas acções se devem sempre a factores que não controlamos, os sentimentos de orgulho e de vergonha são infundados. Estes sentimentos são uma parte inescapável da vida humana. Assim, mais uma vez, parece inescapável que nos concebamos como livres.”

James Rachels, Problemas da Filosofia, tradução de Pedro Galvão, Gradiva, Lisboa, 2009, pp.183-184 e 189-190.

Podemos resumir o argumento da experiência (por vezes designado argumento da introspecção) deste modo:
Se inúmeras pessoas têm a experiência ou sensação de ser livres, então a crença no livre-arbítrio é verdadeira.
Ora, inúmeras pessoas têm a experiência ou sensação de ser livres.
Logo, a crença no livre-arbítrio é verdadeira.

Podemos resumir o argumento da responsabilidade deste modo:
Se não existisse livre-arbítrio, então não teria sentido responsabilizar as pessoas.
Mas tem sentido responsabilizar as pessoas.
Logo, existe livre-arbítrio.


Hitler  Raoul Wallenberg

Nas imagens: Hitler e Raoul Wallenberg (diplomata sueco que salvou a vida de milhares de judeus perseguidos pelos Nazis). 

Segundo o Libertismo, só tem sentido censurar Hitler pela morte de mais de seis milhões de pessoas e elogiar Wallenberg pelo salvamento de alguns milhares de pessoas porque existe efectivamente responsabilidade. E a existência desta é um indício de que existe livre-arbítrio. 

Mas o argumento da experiência e o argumento da responsabilidade serão bons argumentos? Pense em objecções e formule-as de modo breve e claro.

Ficha de Trabalho sobre o problema do livre-arbítrio

world-of-warcraft-2

1. Considere o seguinte exemplo:

O Ambrósio, embora tivesse aulas às 8.30 no dia seguinte, fez directa e passou toda a noite a jogar computador com um amigo.

1.1. Quais são, segundo um determinista moderado, as causas da acção praticada pelo Ambrósio? Justifique.

1.2. De acordo com um determinista radical, o Ambrósio é ou não livre? Porquê?

1.3. Como explicaria, um defensor do libertismo, a acção praticada?

1.4. Vamos imaginar que, no dia seguinte, a sonolência impede o Ambrósio de entender a matéria dada na aula de Matemática e de responder correctamente às questões da ficha de avaliação de Filosofia.

Podemos responsabilizá-lo pelas consequências da acção praticada (jogar toda a noite computador)? Justifique, a partir das três teorias que estudou sobre o problema do livre-arbítrio.

Ainda a propósito da avaliação dos professores

quino_rotaieCartoon de Quino

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Avaliação dos professores: as razões do meu desacordo

Hoje é o dia em que a maioria dos sindicatos assinou um acordo de princípios para a revisão do estatuto da carreira docente e do modelo de avaliação. É necessário salientar que esse acordo foi conseguido sem discutir uma questão que me parece essencial: Como é que se pode avaliar de forma objectiva e credível o desempenho de um professor?

Parece-me que este deveria ser o problema central quando se discute a avaliação e o estatuto da carreira docente. Mas não é isso que tem sucedido. Nem os professores nas escolas, nem os sindicatos, nem o governo estão interessados em apresentar um modelo de avaliação que garanta transparência, imparcialidade e um efectivo reconhecimento do mérito. Se assim não fosse ter-se-iam empenhado em analisar e discutir os critérios de avaliação propostos pelo modelo anterior (o simplex), as escolas teriam feito um balanço (público, que não aconteceu) da sua aplicação e ter-se-ia comparado o modo como foi aplicado em escolas diferentes (para percebermos a dimensão da injustiça). Em suma, ter-se-ia proposto um modelo alternativo.

Aquilo que se passou na aplicação do modelo anterior foi não só injusto, como arbitrário e pouco transparente. Registo que no meu caso - e de uma pequena minoria de colegas da minha escola que não entregou os objectivos individuais - a avaliação foi efectuada por vontade do Director e a menção atribuída foi de Bom. Vale a pena dar a conhecer os critérios de avaliação que constam da Ficha de avaliação emanada do Ministério da Educação e que me foi entregue preenchida pelo Director da escola (com uma classificação de 0 a 10 à frente de cada um deles):

A. Nível de assiduidade e cumprimento do serviço distribuído.

C. Participação na vida do agrupamento/escola não agrupada

C. 1.1.1. Empenhamento e qualidade da participação docente

C. 1.1.1. Empenhamento e qualidade da participação docente nas estruturas de orientação educativa e nos órgãos de gestão

D. Participação do docente em acções de formação contínua

E. Relação com a comunidade

E. 1.1.1 Empenhamento e qualidade da participação do docente no desenvolvimento das relações entre a escola e a comunidade

No caso dos critérios A e D existem dados objectivos para justificar a classificação atribuída. Quanto aos restantes, eu pergunto: Como se pode garantir a sua aplicação com alguma objectividade?

Como se justifica atribuir a classificação de 3, 5, 8, 9 ou 10 ao desempenho de um professor? Quais são os critérios que permitem distinguir diferentes graus de empenhamento e de qualidade de participação do professor?

Como é que se pode comparar e distinguir quantitativamente (de 0 a 10) o empenho e a qualidade de cerca de uma centena de professores (no caso da minha escola) que organizam e participam, por exemplo em projectos e actividades, que são de natureza completamente diferente, consoante a da disciplina que leccionam? Quais são os projectos e as actividades que a direcção da escola considera mais relevantes? Que critérios permitem avaliar a sua qualidade (de 0 a 10)? É a olho?

Nunca encontrei explicação para estas questões nem nos papéis do Ministério, nem nas directrizes internas da escola.

Por outro lado, registo a falta de transparência com que todo este processo decorreu. Dentro das escolas, a avaliação tornou-se um assunto tabu, onde cada está naturalmente preocupado com o seu próprio umbigo. Quanto à responsabilidade política, como se vê, ninguém a assume. Algumas ideias absurdas e impraticáveis defendidas em leis anteriores sobre a avaliação, que me consumiram horas a ler papéis e em reuniões: é como se não tivessem existido. É como se as escolas e os alunos fossem uma espécie de cobaias das mentes iluminadas do Ministério da Educação. A aplicação das ideias fracassa, prejudica, a vida das pessoas, mas ninguém é responsável. Chama-se a isto, em Portugal, o exercício do poder político.

Se me perguntarem se tenho esperança que algo mude, respondo que não tenho. Creio que nada vai mudar enquanto o reconhecimento do mérito passar pela aplicação de um modelo que será uma adaptação do modelo simplex que vigorou anteriormente com resultados que, na prática, nada tiveram a ver com a valorização do mérito nem com a melhoria do desempenho (como em teoria se encontra legislado). A continuarmos com estes critérios vagos, em que a arbitrariedade, a prepotência e o amiguismo, podem ser facilmente justificados, tudo continuará como antes.

Para finalizar, registo o facto de no ano lectivo anterior ter considerado que valia a pena participar activamente na contestação à política do Ministério. Assumi posições públicas neste blogue (avaliação dos professores) e na escola contra o modelo de avaliação, procurei trocar ideias e confrontar argumentos.

Concluo que não vale a pena continuar a adoptar este tipo de atitude, pois a maior parte dos intervenientes, incluindo os meus pares, não está interessada em discutir aquilo que me parece ser o mais importante. Isto: Como é que se pode avaliar de forma objectiva e credível o desempenho de um professor?

Acho que a farsa irá continuar. Pela minha parte, só me resta concentrar-me nas aulas e nas matérias: a única coisa que verdadeiramente me interessa na escola.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

As pessoas agem mal porquê?

Eurípides, Hipólito A citação foi retirada daqui.

Eurípides (480-406 a.C) escreveu várias tragédias: Electra, Orestes, entre outras. Numa delas, chamada Hipólito, uma das personagens principais, Fedra, diz o seguinte:

- “Mulheres de Trezena, que habitais este derradeiro promontório do país de Pélops, já tenho reflectido, na duração arrastada da noite, sobre aquilo que destrói a vida dos mortais. E o que me parece é que não é devido à natureza da sua compreensão que praticam o mal; muitos até pensam muitíssimo bem. Mas devemos considerar o seguinte: nós reconhecemos o que está certo e compreendêmo-lo, só que não o pomos em prática; uns, por inércia; outros, porque põem à frente do bem outra coisa, um prazer qualquer.”*

Mas será mesmo assim?

*Eurípides, Hipólito, tradução de Frederico Lourenço, Lisboa, 2005, Edições Colibri, pp. 39-40.