sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

O que é o amor?


Fotografia de Cartier-Bresson: Boulevard Diderot

Quando uma pessoa ama outra ocorrem no seu cérebro diversos fenómenos neurológicos. As crenças e tradições assimiladas no processo de socialização têm também um papel decisivo no comportamento amoroso. Há décadas atrás esses factos não eram conhecidos.
Actualmente, restará no amor algum tópico filosófico ou é tudo uma questão de sinapses, neurotransmissores e padrões culturais?

Sucederá ao amor o mesmo que sucedeu à origem do mundo (refiro-me ao princípio do Universo e não ao quadro de Gustave Courbet)? Há séculos atrás esse era um problema filosófico. Actualmente é um tema (embora ainda problemático) da Física e da Astronomia.
Será que, na actualidade, o amor ainda é um tema filosófico? Ou, pelo contrário, tudo o que há a dizer sobre esse sentimento diz respeito a ciências empíricas como a Biologia, a Psicologia e a Sociologia?

Seja qual for a resposta que a cara leitora ou caro leitor dê a essas questões, o aspecto mais relevante em termos filosóficos está associado a esta outra questão:
Porquê?

Não me importei com isso: Dedicado aos professores que não entregaram os objectivos - 1

Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro
Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário
Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável
Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei
Agora estão me levando
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.
Bertold Brecht

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Isto não é um país, é um sítio


Vale a pena ler o post "Opinião de um encarregado de educação" de Helena Damião, no blogue De Rerum Natura.
Helena Damião começa por apresentar a opinião de Alberto Diamantino Costa, que, numa carta ao jornal Expresso, criticou o modelo de avaliação dos professores que o governo tem tentado impor, fazendo uma espécie de redução ao absurdo: imaginar as consequências obviamente más que esse modelo de avaliação teria se fosse aplicado a outras classes profissionais - por exemplo, aos médicos.
"Bem visto", dirão quase todos os leitores. Infelizmente, logo a seguir lemos algo que, apesar de parecer inacreditável, é verdadeiro: o governo português apresentou recentemente uma proposta para avaliar os médicos que "deve obedecer ao Sistema Integrado de Avaliação do Desempenho da Administração Pública e, nessa medida, será muito parecida à avaliação do desempenho dos professores. Implicará o estabelecimento de objectivos individuais, a sua confrontação com os resultados obtidos, o uso de grelhas, etc."

Ou seja: serão considerados melhores médicos aqueles que passarem mais receitas e atenderem mais doentes em menos tempo.
Se continuarmos por esse caminho, os melhores polícias serão os que passam mais multas e os melhores coveiros os que enterram mais cadáveres.
Nesta altura do campeonato talvez já não valha a pena alongarmo-nos nos comentários. Para os nossos iluminados governantes, habituados que estão a viver no "mundo" virtual dos decretos de lei e dos conselheiros de imagem, a possibilidade de um médico passar muitas receitas e mal olhar para os pacientes ou de um polícia inventar infracções (ignoro piedosamente a possibilidade de um coveiro matar pessoas para ter mais cadáveres para enterrar), é certamente uma possibilidade indigna de consideração. De facto, o pior cego é aquele que não quer ver.
Para terminar, a lucidez triste de Eça de Queirós (citado de memória): "Isto não é um país, é um sítio".

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

O que é realmente digno de admiração?

“Duas coisas enchem o ânimo de admiração e veneração sempre novas e crescentes, quanto mais frequentemente e com maior assiduidade delas se ocupa a reflexão: O céu estrelado sobre mim e a lei moral em mim.

Não as hei-de procurar e simplesmente presumir a ambas como envoltas em obscuridades ou no transcendente, fora do meu horizonte; vejo-as perante mim e religo-as imediatamente com a consciência da minha existência.”

Kant, Crítica da Razão Prática, Edições 70, Lisboa, 1986, pág. 289.

A imagem pretende ilustrar o “céu estrelado” que despertava a admiração de Kant e é uma reprodução do célebre quadro “A noite estrelada”, de Vincent van Gogh (pintado em 1889).
Peço desculpa às caras leitoras e aos caros leitores por não ter conseguido encontrar nenhuma imagem capaz de ilustrar a lei moral.

Toda a gente é pessoa?

Imagem de um antigo vaso grego, representando um actor com a sua máscara.

Para os antigos gregos o termo πρόσωπου designava simultaneamente "máscara", que os actores usavam para representar no teatro, e "pessoa".

O facto da cara do actor ficar oculta, enquanto ele desempenha diferentes personagens em palco, poderá significar, metaforicamente, que o conceito de pessoa, além de se relacionar com as ideias de identidade e singularidade, remete também para uma dimensão pública (o nosso comportamento social e o facto do mesmo sujeito representar diferentes papéis sociais sem perder a unidade do seu carácter).

Do ponto de vista filosófico, “pessoa” designa um sujeito com uma identidade própria, que permanece, apesar das modificações que possam ocorrer ao nível do corpo, do pensamento ou dos actos. Assim, a alteração de determinadas características do eu não põe em causa o facto de cada pessoa ser um agente consciente, capaz agir livremente e de julgar - distinguindo o bem do mal - as suas acções e as dos outros.

Este termo ganhou, ao longo da história, um sentido jurídico. No direito romano, por exemplo, “pessoa” designava o indivíduo que, contrariamente ao escravo, tem direitos cívicos.

A ideia de que cada indivíduo tem determinados direitos fundamentais que devem ser garantidos pelo Estado (como, por exemplo, a igualdade perante a lei, a liberdade de expressão, de associação e a liberdade religiosa) é admitida nos países democráticos, pelo menos no plano dos princípios morais e jurídicos, como correcta. Por isso, no discurso político, na comunicação social e até nas conversas quotidianas, raramente são defendidas ideias que impliquem o desrespeito por esses direitos. Todavia, como sabemos, o facto de existir este reconhecimento ao nível dos princípios morais e jurídicos, não garante a sua aplicação em termos práticos, o que acontece no nosso país e noutros.

Podemos apresentar um rol imenso de situações, por exemplo na vida profissional, em que existe essa discrepância entre os princípios e a prática. Eis uma delas, que toca de perto os professores.

A lei deve ser aplicada de forma imparcial a todos os cidadãos, nomeadamente os que se encontram em circunstâncias semelhantes. Contudo, os professores que não entregaram os objectivos individuais sofrerão penalizações diferentes na sua carreira profissional, consoante a escola em que se encontram e a interpretação que cada Presidente do Conselho Executivo faz da lei (alguns assumem nas notificações que irão definir os ditos objectivos, outros afirmam que não o farão e que tal facto levará à não progressão na carreira). A discutível fundamentação jurídica baseia-se no recurso ao conceito de autonomia das escolas, que dá sempre jeito quando se pretende justificar o injustificável. Com esta ou outra justificação não deixa de ser uma injustiça, que faz duvidar do significado da expressão “estado de direito”, condição necessária dos regimes ditos democráticos.

Acresce que, como podemos verificar com muita frequência, os países democráticos, em nome dos interesses económicos e políticos do imediato (por exemplo no seu relacionamento com países como a China, Angola e a Arábia Saudita), facilmente sacrificam o discurso do respeito pelas pessoas e pelos seus direitos fundamentais em troca de benefícios (políticos, materiais…) imediatos.

Mas que razões poderão justificar, da nossa parte e por parte do Estado, o respeito pelas pessoas?

Bibliografia:
Isidro Pereira, Dicionário de Grego – Português e Português – Grego, 6ª Edição, Livraria Apostolado da Imprensa.